De um lado o distanciamento crítico, a plenária e a profanação contra os parâmetros aristotélicos através de um teatro moderno e questionador da realidade política. Do outro o desregramento dos sentidos, a liberação do inconsciente e a desconstrução das bases culturais do mundo civilizado. Respectivamente, Bertolt Brecht e Antonin Artaud são considerados revolucionários de maneiras distintas. Se um grupo de atores está em busca de uma " linha teatral " ou ao menos de uma estética, é praticamente impossível que eles não se indaguem sobre as concepções teatrais de Artaud e Brecht.
O debate entre as teses do teatro dialético e do teatro da crueldade foi intenso, sobretudo durante os anos sessenta, momento este em que a arte teatral foi parte essencial das transformações políticas e culturais. Ainda que hoje existam outros caminhos teatrais, inclusive segundo uma perspectiva contestadora, a escolha entre Brecht ou Artaud(ou até mesmo tentativas de se buscar uma síntese criadora entre ambos, o que é difícil em termos cênicos) ainda alimenta o debate teatral. Pode-se dizer que do ponto de vista revolucionário, ambos acionam dimensões que não podem ser esquecidas nas pesquisas teatrais. Ou seja, se em Brecht a estética implica em uma ética, em uma apresentação dialética das situações presentes na sociedade de classes, Artaud expõe que a reflexão objetiva é insuficiente para resolver o problema da expressão e das inquietações do humano: mais do que travar o debate político localizado, caberia ao teatro chegar ao fundo do inconsciente. Mas acontece que na opção entre um ou outro é preciso fazer uma pergunta fundamental: de que público estamos falando? A escolha por um espetáculo brechtiano ou artaudiano não é mero capricho intelectual, mas uma tentativa de se responder aos impasses morais, mentais e políticos de homens concretos, que vivem em espaços sociais específicos.
No Brasil dos anos 60/70, dos anos de chumbo, optar pela crueldade em detrimento do distanciamento crítico, era uma posição diante de um público pequeno burguês, que frequentava as salas de espetáculos e em muitos casos era cúmplice da ditadura militar: este público era violentado pela brutalidade poética de Artaud, sendo ainda ameaçado em seus valores(a atmosfera contracultural dava impulsão a esta posição cênica/política). Artaud ainda gera mal estar na classe média, o que comprova sua atualidade. Porém, se estamos falando de um público proletário, o impacto seria o mesmo? O teatro da crueldade pode ser popular? O teatro revolucionário é necessariamente popular? Mas se Brecht responde através do marxismo os dramas deste mesmo público proletário, o que o teatrólogo alemão pode acrescentar a um público de classe média, universitário e logo familiarizado(e muitas vezes hostil) ao pensamento marxista? Longe de nós respondermos a estas questões, mas cumpre a todos que acreditam num teatro militante realiza-las.
Nem Brecht e nem Artaud saíram da ordem do dia. No entanto, ao estabelecer a opção entre um ou outro, que se faça considerando o público sobre o qual desejamos atuar.
Os Independentes
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