sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Punk: atualidade estética e política

Tendências culturais aparecem e desaparecem  na era contemporânea...Este definitivamente não é o caso do movimento punk. Como já foi demonstrado inúmeras vezes neste blog, a estética dos protestos brasileiros do ano passado e deste ano, é em parte definida pela agressividade punk. Não me parece passadismo, mas uma duradoura resolução artística/política que não perdeu a sua força comunicativa. É impressionante como suas formas de expressão artística, que revitalizaram o anarquismo nos anos setenta, estão presentes na cultura brasileira atual. O fato é que a ética e a estética punk não envelheceram em nada: não existem rugas e cabelos brancos mas uma transmissão geracional de moicanos, jeans surrados, jaquetas pretas, camisetas e um rock rápido e sujo que dentro de inúmeros estilos e desdobramentos musicais, não deverá desaparecer tão cedo. É comum notar entre vários adolescentes engajados em movimentos sociais, o uso da linguagem punk. É uma garotada que ao encontrar um valor de transgressão no punk, desenvolve suas potencialidades intelectuais num itinerário que vai do The Clash até Bakunin(e dependendo, até Marx). 
 Bem, se vários garotos consideram válidas as formas do punk é porque elas ainda funcionam. Não importa se a indústria se apropriou mais de uma vez da estética punk, pois as implicações políticas libertárias do movimento ainda estão historicamente fixadas em alguns ramos da cultura da juventude proletária e da classe média rebelde. Isto inclusive, como é sabido, é um fato internacional pertencente á realidade cosmopolita das grandes cidades, tais como São Paulo. Porém, nem tudo é tão claro: historicamente o movimento punk é atravessado por ambiguidades políticas. Se por um lado na Inglaterra dos anos setenta, o " faça você mesmo " das bandas de punk rock e da imprensa punk eram expressões indissociáveis do movimento operário(incluindo alí também comunistas, sobretudo de orientação trotskista), por outro lado, mais de uma vez ocorreram por parte de punks demonstrações de intolerância social, com inclinações claramente fascistas. Sabemos que as motivações sociais que geraram o punk não tem nenhum tipo de relação com o fascismo: o punk inclusive opõem-se com radicalidade ao fascismo , como comprovam os recentes enfrentamentos entre punks e neonazistas no país. No entanto, vários foram os punks ou pessoas ligadas ao seu ambiente que tomaram atitudes e comportamentos fascistas.
 Talvez a grande limitação política de muitos punks sempre tenha sido sua confusão ideológica expressa numa atitude própria das gangues de rua, com enfrentamentos que em nada ameaçam a burguesia. Não estou aqui me referindo ao trabalho libertário/revolucionário de punks que possuem clareza em seus objetivos: estes sim possuem uma contribuição inestimável para a arte revolucionária e o pensamento político. Aponto apenas para a necessidade de superação de uma lógica tribal que adolesceu demais: o mesmo espírito adolescente que traz a energia revolucionária do punk( na música, por exemplo) não pode fazer com que o movimento deixe de funcionar aonde interessa, ou seja,  no plano da luta de classes. É nesta dimensão política fundamental que o indivíduo libertário(seja ele da corrente anarco-punk ou não) produz, diretamente, uma arte de enfrentamento aos valores burgueses.   
  Apesar da discriminação que o movimento punk sempre recebeu, suas ideias(inclusive no plano estético) ainda são combustível cultural. Certamente o punk ainda vai dar o que falar no Brasil dos nossos dias.



                                                                                  Tupinik        

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Trecho do texto " Do Surrealismo em suas Obras Vivas ", de André Breton:

Hoje em dia é fato consabido que o surrealismo, enquanto movimento organizado, nasceu numa operação de grande envergadura que tinha por objeto a linguagem. A propósito disto nunca será demais repetir que os produtos do automatismo verbal ou gráfico que ele apresentou em seus primórdios de modo algum obedeciam , no espírito de seus autores, a critérios estéticos. A partir do momento em que a vaidade de alguns permitiu que tais critérios entrassem a exercer influência - o que pouco tardou a suceder -, a operação ficou desvirtuada e como se tal não bastasse, perdeu-se o " estado de graça " que a tornara possível. Trata-se de que então? De nada menos que redescobrir o segredo de uma linguagem cujos elementos deixassem de se comportar como restos de naufrágio á flor das águas de um mar morto. Importava, para tanto, subtrai-los a seu uso cada vez mais utilitário, sendo este o único meio de emancipa-los e restituir-lhes todo o seu poder.

 

                                                                                  André Breton, 1953.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Atentos ao cinema de Pudovkin:

O olhar vendido do espectador brasileiro vem rendendo elogios apaixonados ao cinema brasileiro comercial da atualidade. Este cinema de olhos e bolsos impregnados de valores hollywoodianos, gera renome internacional para filmes que ilustram o abandono da crítica marxista e a conversão de cineastas em meros comerciantes. Para o cineasta revolucionário isto não interessa: a luta para criar espectadores politizados vem em primeiro lugar. Colado em cinematografias revolucionárias, tais como aquelas encontradas no cinema soviético, o cineasta engajado depara-se com a magnitude de Pudovkin. Sendo ele um dos maiores nomes do cinema na ex-URSS, Pudovkin precisa ser mais comentado, mais assistido e mais analisado pelos comunistas brasileiros.Pudovkin foi um artista consciente das possibilidades dramáticas e políticas do cinema, não se deixando levar pelas modas vanguardistas dos primeiros anos da Revolução bolchevique. Para ele o uso preciso do material literário e teatral incorporados á linguagem cinematográfica, proporciona um espetáculo popular e revolucionário. Sua obra está de igual pra igual com Eisenstein, Vertov, Dovzhenko e outros autores soviéticos.
 Pudovkin soube como ninguém traduzir as exigências realistas de Górki para á tela: em A Mãe(1924) , adaptação cinematográfica do texto de Górki, o processo dramático de politização de uma mãe operária está em questão. Após colaborar com a investigação da morte acidental do seu marido, um ferreiro pelego(morto acidentalmente por um militante durante uma perseguição), a mãe acaba por entregar seu filho ás autoridades, julgando estar agindo bem.  A injusta prisão do seu filho, parte de uma grande perseguição aos militantes revolucionários, a leva para á luta proletária, para o conflito com as autoridades que representam um Estado opressor. Caberia  destacar aqui que a proposta realista do filme ganhou densidade dramática com a interpretação da atriz Vera  Baranovskaia, pupila do grande teatrólogo russo Stanislavki. 
Outro longa de Pudovkin  que merece destaque é Tempestade Sobre a Ásia(1928). No filme, um jovem mongol pertencente a uma família de caçadores nômades, entra em conflito com capitalistas invasores. Mas após ser identificado como um possível descendente do guerreiro Genghis Khan, os líderes representantes dos interesses do capital estabelecem um jogo político e procuram cooptar o jovem mongol. Ao se rebelar contra os dominadores capitalistas, o jovem mongol extrai da força da sua cultura uma identificação com os bolcheviques que lutavam na região. Um grande poema épico é composto por imagens cinematográficas: povos explorados, independentemente da sua cultura de origem, estabelecem uma grande guerra, uma grande tempestade contra o capitalismo.
 Atentos á cinematografia de Pudovkin, os cineastas brasileiros revolucionários precisam criar histórias em que os grandes conflitos dos oprimidos da História brasileira tornem-se filmes.


                                                                             José Ferroso   

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Poema " Na Prisão ", de Karl Liebknecht:

Vós me roubais a terra mas não o céu.
Não me resta dele mais do que um pedaço estreito
onde cravo meus olhos
através das grades
de uma janela de ferro
encurvada nas paredes pesadas...
Mas para mim é o bastante
ver o azul resplandecente do céu
de onde vem a luz,
que me ofusca quando me aproximo,
e de onde ás vezes também
cai dançando um ligeiro murmúrio de pássaros...
Basta-me
que uma gralha negra tagarela,
amiga fiel dos dias de cárcere,
me faça ver um ser alcançando um voo livre,
e que uma nuvem viajante
me ofereça a imagem das coisas mutáveis.
Não vejo mais do que um pequeno espaço do céu.
Á noite passada
a estrela mais clara brilhava neste espaço,
a mais clara estrela resplandecia,
e seus raios brotavam das extremidades do firmamento
dominando o mundo,
mais claros, mais cálidos,
com um resplendor mais juvenil na minha estreita cela
do que para vós que estais em liberdade.
A estrela projetava aqui sua pequena mancha de luz.
Vós me roubais a terra, mas não o céu...
Não vejo dele mais do que um pequeno pedaço
através das grades
de uma janela de ferro...
Mas esta luz devolve os sentidos a este corpo,
animado por uma alma livre
como jamais tivestes,
vós que acreditastes
que poderíeis aniquilar-me
nas grades desta prisão!


                                        Karl Liebknecht

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Tropicalismo segundo Rogério Duarte:

Pra mim, o tropicalismo foi muito a síntese entre espiritualidade e marxismo, a criatividade ingênua do povo e a militância. Descompartimentalizava  tudo, e a esquerda colocava tudo arrumadinho. O samba do morro era respeitado, mas não era arte maior. Nós tropicalistas subvertemos essa hierarquia. Oswald de Andrade falava da contribuição milionária de todos os erros. Usamos a contribuição milionária de todas as nossas ilusões. Caetano cantava: " Botei todos os fracassos nas paradas de sucesso ".


                                                                             Rogério Duarte

domingo, 26 de janeiro de 2014

Artistas proletários devem se politizar para resistir:

A produção artística das periferias mundiais sofre tanto com as tentativas de cooptação/esvaziamento pelo mercado quanto com a repressão política. Ambas as reações burguesas querem controlar e segregar manifestações culturais que destoam dos padrões expressivos e comportamentais tolerados pelo Estado capitalista. Enquanto que no Brasil a arte de vários funkeiros é hostilizada nos rolezinhos e artistas punks recebem o estigma de " vândalos mascarados " (sendo que muitos deles não concordam com a violência nos protestos de rua), nos EUA a Suprema Corte Americana utiliza letras de músicas para " comprovar crimes " e condenar rappers. Portanto o que assistimos é uma ofensiva internacional do sistema que procura pelas instituições capitalistas criminalizar as obras e a linguagem dos artistas proletários(ainda que alguns deles não sejam mais proletários, sua arte exprime normalmente o universo operário). 
  De um modo geral, a produção artística desenvolvida por punks, rappers e funkeiros obedece a um protesto(ainda que em muitos casos inconsciente) contra uma sociedade que em nome de uma democracia abstrata(com conteúdo de classe, ou seja a classe burguesa) e de uma diversidade cultural com claros limites sociais, procura fazer com que o proletariado apenas trabalhe e compre. Entretanto, quando os trabalhadores descobrem que podem fazer e disseminar uma arte própria, quando percebem que sua arte e o seu protesto nas ruas vão além das imposições políticas do capital, estamos falando então de sujeitos históricos. Conflitos acabam rolando: a elevada temperatura entre manifestantes e a força do Estado gera tensões e ás vezes o pau come (e como !). Sendo assim, não existe outra saída para os artistas trabalhadores senão persistir com a sua produção e ao mesmo tempo compreender o funcionamento do sistema. É indispensável que este artista não julgue a prática intelectual como algo " de cima " e sim enquanto instrumento que ajuda na sua luta diária: as teorias do marxismo e do anarquismo estão aí para contribuir com a consciência de classe e o fortalecimento de uma arte que tem por missão revolucionar os indivíduos. 



                                                                                  Os Independentes 

O uso dos novos meios de produção na arte contestadora:

Para os militantes revolucionários, está fora de questão o deslumbramento perante as novas tecnologias digitais. A eles interessa averiguar o uso prático dos novos aparelhos: como estas ferramentas auxiliam na organização política e na difusão das ideologias anticapitalistas(em especial sob a sua dimensão estética e disseminadora de uma sensibilidade libertária). Dentro das manifestações de rua, as redes sociais são instrumentos fundamentais que, mesmo vigiadas pelas autoridades(assim como tudo o que existe na internet), demonstram grande capacidade organizativa e simultaneidade nas ações. O campo cultural e mais propriamente artístico, vem acompanhando em seu próprio nível de realidade estas transformações; resta saber como a arte pode participar mais ativamente da batalha contra a ideologia dominante: num ano de Copa e Eleições, o cotidiano geralmente preenchido por lixo cultural  pode ser invadido por questionamentos artísticos que devem tomar de assalto a percepção dos trabalhadores brasileiros; uma energia negativista e rebelde que faz uso de diferentes suportes digitais precisa  atrair a população para além do campo de futebol e do horário eleitoral.
 Sucesso e popularidade são expressões subordinadas ao mercado: artistas e teóricos podem medir a importância das suas intervenções unicamente pelo número de acessos dos seus vídeos , fotos ou textos publicados na rede. Caso diferenciado é o daqueles que estão interessados em contribuir pela arte com o cenários de contestação social que cresce cada vez mais pelo país; para eles o que está em jogo não é a exposição bem sucedida de suas obras mas sim como elas participam da realidade política. Uma arte livre, irreverente e politizada age pelo subterrâneo e deve chegar á superfície para estabelecer a coesão com a contestação política. Vários setores da juventude já estão percebendo que o otimismo político e a overdose de bolas e chuteiras verificadas na mídia burguesa não podem ser verdadeiros, pois não correspondem á realidade econômica do país. É exatamente este espaço cultural anestesiado que deverá ceder espaço á nova arte rebelada! E diga-se de passagem, é uma arte que armada pelo digital aniquila as barreiras entre artista e espectador. Se os próprios museus já perceberam o valor de interação que existe nas fotos tiradas pelos visitantes junto ás obras, então há o novo dado histórico de que pessoas que não são " artistas especializados ", ao fazerem uso de seus próprios celulares para produzir novos conteúdos(que podem ser explorados esteticamente), podem dispensar a ideologia burguesa na mídia. Cabe a todos nós, militantes da cultura, promover ao longo deste ano o valor artístico e político que as novas tecnologias trazem para a cultura.


                                                                   Conselho Editorial Lanterna

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Amado Duchamp:

Marcel Duchamp é o máximo justamente porque ele implodiu o gosto burguês em arte. Tá legal, os capitalistas e os acadêmicos podem até mercantilizar/esvaziar o ready made, mas não conseguem disfarçar o deboche e a revolta contra a institucionalização da arte. O ready made, o mictório que mija na cara dos cifrões e dos padrões expressivos pré-determinados, é  coisa que em si que invalida qualquer sentido comercial e que ao mesmo tempo desconstrói por completo o conceito de obra de arte. Antiarte: Duchamp é de fato independente de programas e classificações estéticas: nome fundamental do Dadá e do Surrealismo, Duchamp ainda ensina a jogar todos os valores burgueses na lata de lixo.
O cara altera qualquer discurso estabelecido por uma " ética iconoclasta "  que não tem nada a ver com as picaretagens de muitos artistas contemporâneos. Mesmo que reivindiquem sua influência ou herança, vários artistas de hoje habitam a superfície e não a profundidade libertária deste provocador francês.  A provocação de Duchamp não pode fazer qualquer concessão ás normas de galerias, não cabe em leilões porque implode com selvagem elegância os padrões expressivos contaminados. Acredito que se alguém deseja criar modos expressivos que neguem a cultura dominante, deve sair da lenga lenga discursiva e assumir a contestação  pela reordenação dos objetos que atingem os sentidos.Quem levar Duchamp para dar um rolê vai descobrir a inutilidade da mercantilização das obras obras de arte. 

                                                                        Marta Dinamite 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Das críticas literárias de Engels:

Torna-se cada vez mais habitual, particularmente nos literatos de segunda categoria, compensar a ausência de capacidade literária mediante alusões políticas, com as quais se acredita causar forte impressão. Poesias, romances, resenhas, dramas, todo produto literário tornou-se " de tese ", como se diz, isto é, expressões de manifestações mais ou menos hostis ao governo.


                                                                                        Friedrich Engels

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O exemplo do Neo-realismo no Cinema italiano:

Há alguns anos atrás, quando algum cineasta ou escritor optava pela estética do realismo, uma busca política se manifestava: era uma tentativa do artista problematizar e expor sem floreios as contradições sociais de uma determinada época. Já hoje em dia isto não condiz com o significado político de muitos filmes, que mesmo adotando a estética realista estão impregnados de cinismo, amargura e pessimismo perante as relações humanas. É só observar alguns títulos da nova safra do cinema brasileiro, que mesmo fugindo das bobagens mais previsíveis e mesmo sendo sérios, estão contaminados por ideologias desoladoras. 
 Penso que mesmo com toda aridez e objetividade do realismo, existe atrás das intenções do cineasta verdadeiramente consciente do seu papel intelectual, uma vontade de abrir os olhos do espectador ao representar as coisas do mundo sem idealismo. Vários cineastas brasileiros deveriam assistir menos filmes hollywoodianos e procurar no Neo-realismo italiano, por exemplo, uma maneira de expor os fatos sociais não enquanto parte de um imutável pesadelo mas na chave das suas possibilidades históricas: denunciando para o proletariado a miséria que lhe foi imposta, reforça-se o seu papel político revolucionário. O Neo-realismo enquanto movimento cultural que durante os anos quarenta mandou ás favas a arte fascista, obteve sua verdade revolucionária no cinema. A segunda metade daquela década trouxe em mestres realistas como Luchino Visconti, Roberto Rosselini e Vittorio de Sica, uma transformação radical da produção, da fotografia e do próprio ato de assistir filmes.
 Utilizando cenários " naturais ", o cinema redescobriu as ruas e encontrou o povo italiano arrasado pela imposição política fascista que trouxe a guerra. Precisamos nos lembrar da coragem de Rosselini no marco cinematográfico neo-realista Roma, cidade aberta, filme com o qual a brutalidade do fascismo é denunciada para o público italiano. Deixando de lado o glamour da imagem os neo-realistas italianos colocavam sua lente endurecida sobre os dramas econômicos do proletariado. Expressões cinematográficas exemplares disso encontram-se por exemplo em Rooco e seus irmãos, de Visconti, e Ladrões de Bicicleta, de Vitorio de Sica. Dá pra imaginar o impacto(ainda atual) destes filmes sobre o proletariado italiano: no primeiro, uma mãe e seus filhos trabalhadores chegam á cidade de Milão e tem suas vidas submetidas á desumanidade da metrópole. Já no segundo filme, um trabalhador que tem a bicicleta do seu emprego roubada, busca com seu pequeno filho pelo objeto roubado numa sociedade aonde o roubo está ligado ao desespero e á miséria.
   Lukács está certíssimo quando afirma que a obra de arte válida para os artistas socialistas, reflete a sociedade, sendo o seu conteúdo fonte de conhecimento objetivo sobre a realidade. Isto tudo é comprovado com o cinema neo-realista italiano. É um cinema político que atinge corações e mentes, sendo provável que o espectador de um dos seus filmes possa, após a exibição, sindicalizar-se, filiar-se á um partido de esquerda ou ainda decidir tomar o exemplo e fazer cinema político(por que não?).

                                                                              Lúcia Gravas 

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Diálogo da peça " Uma Mulher Diferente ", do dramaturgo anarquista Pedro Cattalo:

Elena: -  Então, por que aviltar tanto meu pai? Se a " ocasião faz o ladrão " , em lugar dele o senhor teria feito a mesma coisa.

Ricardo: - Não me parece própria  a comparação. Não se esqueça de que estamos tratando de seu pai. Ademais, eu sou rico, muito rico, e me acho salvo de " certas ocasiões ". (Faz com o dedo mostras de roubar ).

Elena: - Quer dizer que o senhor aceita implicitamente que o pobre, tem que roubar algum dia?

Ricardo: - Mas que coisa, Elena ! Dir-se-ia que se propôs reformar os fundamentos morais que regem a nossa sociedade.

Elena: - Os fundamentos morais! A moral é como a roupa de vestir: usa-a cada qual ao seu gosto! O que para uns é vergonhoso, para outros é muito natural. E o que para outros é roubo, para alguns é forma de viver. O que para muitos é mentira, para poucos é verdade. E na exploração do homem pelo homem, a moral mede-se pelo dinheiro que se tem. Todos falam de moral, mas cada um tem a sua.



                                                                         Pedro Cattalo, 1945.

 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

As afinidades entre Maiakóvski e a arte das periferias brasileiras:

" Coma ananás
empanturre-se de ganso
seu último dia chegou, burguês! "
  
Estes versos do poema Coma Ananás escrito por Maiakóvski em 1917, tecem um texto rápido e violento. É uma cacetada futurista que ainda hoje faz estrago na cultura; pois enquanto houver capitalismo, o verso exprime uma escolha de classe . O que um livro de poemas de Maiakóvski estaria fazendo nas mãos de um leitor de classe média alta? Difícil justificar: se não forem capazes de trair a sua classe de origem nem pela literatura, os leitores com olhos de almofada e sensibilidade mercantil nada podem encontrar na obra de um homem que fez do poema um gesto político revolucionário e da política um gesto poético revolucionário. Por outro lado, existe uma afinidade histórica sem paralelos entre o legado do poeta russo e o contexto cultural da juventude trabalhadora brasileira. Isto é visível no plano estético: rappers, grafiteiros, funkeiros, escritores proletários não buscam palavrório, imagens evasivas ou metáforas complexas; eles produzem imagens diretas, secas, ágeis, violentas... Se Maiakóvski profanou as letras tradicionais com a linguagem das ruas e com a objetividade da arte gráfica, então os artistas de rua devem encontrar nele um dinamite estético prontinho para acender. 
 O lugar de Maiakóvski é entre os trabalhadores de qualquer país do mundo contemporâneo. A produção artística da juventude trabalhadora brasileira encontra-se num momento propício para assimilar Maiakóvski e enriquecer sua própria arte. Com a cultura dominante caindo em redundância e roendo os ossos do seu corpo fabricado e decadente, a arte revolucionária precisa se impor nos bairros afastados dos grandes centros. Os poemas de Maiakóvski circulando nas ruas, nas escolas, nos partidos de esquerda, nos shows  e nos centros culturais, são mão na roda.

                                                                              Os Independentes

domingo, 19 de janeiro de 2014

Buñuel relembra a ideia do filme Un Chien Andalou(1929)

Esse filme nasceu do encontro de dois sonhos. Chegando á casa de Dali, em Figueras, onde fora convidado para passar alguns dias, contei-lhe que sonhara recentemente com uma nuvem fina cortando a lua e uma navalha fendendo um olho. Por sua vez, ele me contou que acabava de ver, em sonhos, na noite anterior, uma mão cheia de formigas. Acrescentou: " E se fizéssemos um filme a partir disso ?" (...) O roteiro foi escrito em menos de uma semana, seguindo uma regra muito simples adotada de comum acordo: não aceitar nenhuma ideia,  nenhuma imagem que pudesse dar lugar a uma explicação racional, psicológica ou cultural. Abrir todas as portas do irracional. Só incluir as imagens que nos tocavam, sem procurar saber por quê.


                                                                        Luis Buñuel, 1982.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O caráter estético e a luta de classes no rolezinho:

O rolezinho é um fenômeno social e muito particularmente estético: a cultura da juventude das periferias do Brasil exprime(ainda que sem a consciência exata) a luta de classes ao subverter a lógica dos shoppings. Creio que Marta Dinamite tenha subestimado em seu artigo recente a dimensão cultural subversiva presente no rolezinho.Ela afirma que os jovens do rolezinho deveriam buscar referências históricas de vanguarda ,como a performance de Flávio de Carvalho, por exemplo. Seria ótimo se isto ocorresse , mas  embasados no marxismo, creio que devemos partir da realidade cultural concreta: é daí que surge, mesmo em suas confusões ideológicas, a legítima e provocadora arte das periferias. É a estética desta arte expressa por exemplo em danças, cantos, gírias, bonés , bermudas e chinelos que acaba por ferir o gosto burguês e gerar um choque entre as classes dentro dos shoppings. Ainda que não sejam expressões de arte revolucionária, as manifestações artísticas das periferias, a exemplo do funk, estabelecem códigos de linguagem e comportamentos que agridem a percepção de uma classe média acostumada á idolatria da mercadoria luxuosa. Discordando da minha amiga Marta, creio que os rolezinhos já possuem em si a reivindicação social de pessoas que excluídas do consumo e produtoras da sua própria cultura, estão agitando o país. Aliás é essa juventude que possui as condições históricas para começar a desenvolver uma nova arte revolucionária: a estética desta nova arte já existe, e partindo de suas próprias estruturas de linguagem, é que ela poderá adquirir significado político revolucionário.  O rolezinho é uma das expressões da contradição econômica e do choque estético no Brasil atual.


                                                                   Geraldo Vermelhão

O revolucionário no teatro brasileiro:

(...) Em termos de dramaturgia, rapidamente se constata que o filão descoberto era cândido e comovido demais para enfrentar um público cujos problemas e valores eram mais complexos e ricos. Daí ao isolacionismo, foi um passo. Como sói acontecer, o revolucionário que ainda não consegue uma tática adequada á sua estratégia, procura, no primeiro impulso, o isolamento, como forma de se instalar, ainda que abstratamente, na proximidade do mundo social que almeja. Como sói acontecer, o revolucionário volta-se, não mais contra o seu inimigo principal e, sim, contra seus mais próximos aliados. Do Arena de São Paulo ao CPC da UNE foi um passo. É extraordinário mas o CPC da UNE  surgiu como uma reação ao Arena de São Paulo. O CPC via no Arena um teatro limitado, funcionando em Copacabana (o Arena de São Paulo, na época, estava no Rio) para um público de elite. Para o CPC, o Arena era um teatro irremediavelmente pequeno-burguês.



                                                           Oduvaldo Vianna Filho, 1968.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Arte objetiva:

A tendência da arte figurativa de nosso tempo é a objetividade[sachlichkeit}. Isso significa a utilização do meio artístico de maneira clara, não sentimental, correspondendo ao nível de conhecimento próprio á época em que vivemos. A tarefa objetiva da arte é a seguinte: organização dos meios, economia de sua fatura. De tal sorte que pode nascer uma linguagem formal liberada do peso das convenções que se ossificaram com o tempo, e que é capaz de dar, na esfera física, uma expressão não equívoca ao novo conteúdo de nossa vida e de nossa cultura(em oposição ao passado).


                                                                  Hans Richter, 1922.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Flávio de Carvalho no Rolezinho:

Rolê implica em liberdade, exatamente como canta Gal Costa no refrão da música Dê um Rolê(1971). O controle social dos capitalistas caras pálidas, se vê diante de um possível curto circuito devido a uma garotada que libera suas energias e frustrações no fenômeno social do rolezinho. Como todo mundo sabe, essa onda toda começou com cantores de funk que de saco cheio das restrições impostas ao uso do espaço público, promoviam encontros e agitações com a rapaziada. Hoje o escarcéu sobre o tema está dentro dos shoppings, espaços de compra e " lazer " que em sua essência capitalista exprimem a vigilância sobre o corpo e consequentemente o comportamento normativo pelo consumismo. Com a economia capengando e vários garotos combinando os rolezinhos pelas redes sociais, abriu-se um cenário pra lá de tenso: de um lado os governantes temem pela impopularidade(ano de Eleição, cara...) com a possível repressão policial sobre os meninos, do outro, movimentos sociais denunciam o que foi classificado de discriminação e segregação social sobre os participantes do rolezinho. Tá, e por que eu iria me meter a falar de arte numa hora dessas? Porque uma das maneiras de lhe dar com este problema encontra-se na expressão artística, na performance para ser mais exata(se bem que odeio ser exata com as coisas...). Vestindo a saia do nosso amado vanguardista Flávio de Carvalho, podemos encontrar nas possibilidades pacíficas da performance  uma tática de ré-significação libertária do corpo, tanto no espaço público quanto privado.
  Fico pensando o que Flávio iria achar do grande bafafá em torno do rolezinho nos shoppings. Para quem em 1931 enfrentou uma multidão de religiosos enfurecidos numa performance que quase o levou ao linchamento, o rolezinho teria como saída a criatividade e não a violência. Certo, a criatividade libertária pode ser reprimida(como o próprio Flávio viveu na pele), mas ela também traz á tona debates, diálogos, reflexões e não vitrines ou ossos quebrados.  Para muitos jovens que sofrem todos os dias com a violência do Estado capitalista, a solução estética-política do rolê não pode estar em ostentar/desejar mercadorias luxuosas, mas em compreender, como vários jovens trabalhadores libertários já o fazem, que pelas suas potencialidades criativas, eles podem transformar os espaços culturais instituídos(sobretudo os espaços públicos, que andam detonados e que precisam ser ocupados pela juventude). Parte do legado modernista de Flávio de Carvalho, como suas Experiências por exemplo, proporciona o gesto livre perante o olho que controla. Se o cerne do problema do rolezinho gira em torno de uma abrupta alteração do espaço físico, o estranhamento causado pelo artista -transeunte  envolve um grande aproveitamento cultural ; é como se ele dissesse que podemos estar de diferentes maneiras em diferentes espaços, questionando tabus e possibilitando uma existência mais livre, que dispensa roupas ou tênis de marca. 


                                                                       Marta Dinamite  

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Por uma música jacobina:

Permitam compartilhar direto do fundo da minha cachola elétrica, uma pequena, mas significativa, lembrança das jornadas de junho de 2013; esta lembrança pode ser útil para situarmos a importância que a música popular(ou se quiserem " canto de guerra " ou ainda " palavras de ordem musicadas ") possui para os futuros protestos de 2014. Em meio a uma passeata do ano passado, após o bicho pegar mais de uma vez, vários companheiros que empunhavam bandeiras vermelhas ou negras declamavam pequenas rimas musicadas. O conteúdo expresso eram merecidos desaforos que denunciavam o alto investimento na Copa de 2014  enquanto grande parte da população não tem acesso a sáude, educação de qualidade, moradia, etc. Naquele mesmo dia ouvi comentários depreciativos de uma rapaziada " Cult " quanto ás palavras de ordem ritmadas, sugerindo que música e grito de protesto seriam coisas distintas. Para eles era pura forçação de barra, pois música seria um troço " sagrado ". Que atitude mais reacionária! A História nos mostra exatamente o contrário.
  Afim de ferir o gosto sofisticado de muitos esnobes, que posam de socialistas, gostaria de mencionar que a música popular no ocidente, pelo menos a moderna música urbana, nasceu de uma associação explosiva com o protesto e a Revolução social. Na França do século XVIII, novos gêneros musicais nasciam sob a mesma sede de arrebentar com a nobreza e os privilégios do clero. Toda agitação política parisiense exigia mudanças culturais; quando o povo toma as ruas para reivindicar os seus direitos se faz necessário violentar o gosto da classe dominante, profanando inclusive as fronteiras entre a música e a política. E foi exatamente isso que rolou com o jacobinismo, quando o governo popular não apenas degolava fisicamente(e não estou  fazendo aqui um elogio á guilhotina, rs) mas simbolicamente, retirando a velha cabeça cultural e criando uma nova. Durante o período que os historiadores burgueses adoram denominar de " fase do terror ", ou seja entre 1792 e 1794, a música possuía um grande sentido de criatividade coletiva. Se ouvirmos até hoje Ça Ira, La Carmagnole e o hino A Marselhesa, a batida cardíaca é executada sob a forma da luta de classes, como uma tempestade libertadora anunciada por meio dos sons. Essa noção marcial, de música marcial, que substituiu o barroquismo e ergueu a arte revolucionária, precisa ser relembrada em força e entusiasmo.Se a mencionada canção Ça Ira tinha sua letra modificada por letristas anônimos a partir de acréscimos que correspondiam ás novas situações e acontecimentos políticos no dia a dia da Revolução francesa, qual seria então o grilo em criar gritos musicais para os protestos no Brasil de hoje?  
 Se entre a queda da Bastilha e a Copa do mundo deste ano, existem absurdas diferenças de tempo, espaço e cultura, isto não diminui em nada a possibilidade do punk rock jacobino ou um rap politizado de San Quilottes, continuarem profanando sabiamente o gosto dominante.


                                                                               Tupinik   

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A práxis do cinema político segundo Glauber Rocha:

(...) Queríamos, e eu especialmente quero, desenvolver o que se chama de Cinema Épico como refutação do cinema do psicologismo e do moralismo. Procurávamos assim fazer um cinema antimoralístico porquanto revolucionário. Procurávamos colocar em foco as contradições do tema e as relações entre os personagens sem romantismo revolucionário e sem oportunismo revolucionário. O Cinema Novo nunca foi ligado a um partido ou a uma organização política ; tratava-se de um grupo no qual muitos diretores e intelectuais se constituíam eles mesmos em um movimento de prática política. Sabendo bem que no Brasil não existia nenhuma tradição cinematográfica, necessitava criar tudo desde o princípio.
 O que acontece na Europa é diferente: tem que se levar em consideração que o pensamento marxista na prática cinematográfica se desenvolveu na Europa capitalista praticamente nos anos 60, quando alguns intelectuais franceses redescobriram Marx, mas os diretores não faziam filmes dialéticos e sim filmes retóricos com conteúdo marxista.


                                    Glauber Rocha, 1975.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Arte enquanto piquete:

Se a arte formalista traz a inutilidade, a redundância sobre si mesma, perecendo que nem fruta podre na árvore da cultura, o protesto político também não pode alçar voo se ficar na previsibilidade da linguagem corriqueira. Para atingir os sentidos humanos, para orientar o aparelho perceptivo num sentido combativo, não basta depositar a velha " fé iluminista " numa linguagem racionalista; ainda que seu conteúdo seja verdadeiro(a denúncia da exploração econômica por meio de panfletos e o clássico grito de megafone) ele não se comunica com a carne humana adormecida.
  Para fazer os ossos acordarem e os órgãos cantarem na marcha das reivindicações sociais, temos que ganhar aonde o capital conquista: o terreno estético precisa ser capinado para a luta política. Não subestimem as sofisticadíssimas propagandas capitalistas que dão vida ás mercadorias e fazem os brasileiros pensarem que basta ter um par de chuteiras, uma bola e uma bandeirinha verde e amarela para estar integrado á coletividade. Um leitor de orelha do marxismo poderia vociferar dizendo que se a infraestrutura balança a superestrutura " cai ". Além da coisa toda não ser nem um pouco mecânica, a superestrutura já deu demonstrações históricas de que não é tão fácil varrer para fora da História a sujeira da cultura dominante.
É claro que não podemos recorrer as mesmas artimanhas do capitalismo, pois afinal de contas, nosso objetivo não pode ser o de manipular mas de esclarecer e instruir. A arte pensada como ferramenta de luta a partir de si mesma, isto é do seu funcionamento interno que lhe confere uma natureza expressiva particular, pode ajudar e muito neste ano cheio de protestos previstos. Continuaremos a estimular a pesquisa estética dentro das mais variadas organizações políticas e culturais comprometidas com a emancipação dos trabalhadores. O itinerário pode ser longo(e até ingrato) mas é parte da construção da luta política que não pode mais se separar da luta cultural.


                                                              Os Independentes  
  

sábado, 11 de janeiro de 2014

Da obra " A Desonra dos Poetas ", de Benjamin Péret:

O poeta não deve alimentar em outrem uma ilusória esperança humana ou celeste, nem desarmar os espíritos insuflando-lhes uma confiança sem limite num pai ou num chefe contra quem toda crítica se torna sacrílega. Muito pelo contrário, cabe a ele pronunciar as palavras sempre sacrílegas e as blasfêmias permanentes.


                                                 Benjamin Péret, 1945.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Brecht e as tarefas do teatro político para este ano:

Perante a martelação ufanista da Copa 2014 e a disputa eleitoreira, os artistas revolucionários estudam estratégias de comunicação para desintoxicar os trabalhadores brasileiros. O caso do teatro em particular é ainda mais delicado na medida em que o mundo digital consegue pela imagem e pelo som uma posição de ataque imensamente superior. Definitivamente é desproporcional a luta entre o teatro disposto a estabelecer o esclarecimento das forças sociais que regem a realidade e o poderoso arsenal capitalista que visa a manutenção da sociedade alienada. No entanto, é no instante do gesto cênico pensado como algo de fora das leis culturais, que se interrompe as ilusórias narrativas futebolísticas(mesmo que isto seja percebido por plateias reduzidas). A interrupção anti-ilusionista proposta por Brecht precisa ser pensada não apenas no plano da estrutura do espetáculo teatral, mas enquanto um congelamento na própria realidade histórica. Quando o ator toma consciência do seu poder político, ele revela em sua atuação feita de palavras e gestos coordenados, as contradições sociais; o uso das ideias de Brecht, autor que deve ser colocado cada vez mais na linha de frente na batalha cultural ao longo deste ano, oferece o distanciamento crítico perante bandeiras verde e amarelas, gols, chuteiras, santinhos, horário eleitoral e outras formas de ocultação das diferenças entre as classes sociais.  
  Mas em que contexto o trabalho cênico de formiguinha pode encontrar eco? Seria idealismo pensar que a ação teatral se dá no vazio, como algo que possa influenciar de modo imediato a consciência. É justamente o contexto político atual que permite cada vez mais a emergência de formais teatrais que possam, se não esclarecer, ao menos interrogar a população. Um ano de novos protestos deve fazer de 2014 um desdobramento da rebeldia política do ano passado; é exatamente aí que as possibilidades cênicas são solicitadas, ou seja, o descontentamento da população pode ser aumentado por um teatro que abre a cortina da realidade e exige assim uma tomada de posição perante um cenário feito de crise na Saúde e na Educação. Portanto, nada de textos metafísicos e apresentações evasivas, mas ações concretas nas ruas e nas casas de espetáculo. Tragam o velho Brecht para a luta.


                                                                     Lúcia Gravas

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O sentido revolucionário da literatura para Marcuse:

(...) A literatura pode ser revolucionária num determinado sentido, só em referência a si própria, como conteúdo tornado forma. O potencial político da arte baseia-se apenas na sua própria dimensão estética. A sua relação com a práxis é inexoravelmente indireta, mediatizada e frustrante. Quando mais imediatamente política for a obra de arte, mais ela reduz o poder de afastamento e os objetivos radicais e transcendentes de mudança. Neste sentido, pode haver mais potencial subversivo na poesia de Baudelaire e de Rimbaud que nas peças didáticas de Brecht.


                                                   Herbert Marcuse, 1977.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Godard e o 3 D:

Se o cinemão está reduzido ao esgotamento das fórmulas manipuladoras, convertido num vídeo game empobrecido, os rebeldes da sétima arte não se furtam em tomar posições estéticas e políticas sobre as novas tecnologias. O 3D enquanto maquiagem sofisticada vem pateticamente encobrindo o grande nada do cinema comercial: mesmo sendo uma das grandes aliadas do imperialismo norte americano, Hollywood já teve em sua História demonstrações mais felizes de criatividade. Afinal de contas, mesmo um canalha reacionário a serviço do capital precisa de estilo e competência para legitimar a ideologia dominante. Perante o empobrecimento do espetáculo audiovisual, o cinema de autor ainda é estratégico na crítica e na auto-crítica do processo de elaboração da linguagem cinematográfica. Este é o caso do francês Jean Luc Godard que tomou parte no projeto coletivo 3X3D , que contou também com o britânico Peter Greenway e o português Edgar Pera. O filme envolve uma análise histórica do uso das tecnologias no cinema. 3X3D rebate o cinemão ao refletir visualmente sobre a terceira dimensão no contexto que privilegia a reflexão e a leitura sensível das imagens.
  Godard é certamente o grande provocador com o filme Os Três Desastres. Ao combinar imagens advindas de diferentes contextos visuais, ele cumpre o papel do artista revolucionário ao ousar e desconfiar da associação entre os meios de produção e a ideologia dominante: Godard expõe que o digital pode tornar-se ditadura. Para o cineasta francês, mais interessado no ensaio audiovisual do que no dado espetacular do cinema,  a arte ainda é uma reflexão honesta que se dirige para além das aparências produzidas pela tecnologia digital. 



                                                                      Lenito

O Comunismo não pode ter medo da Arte:

O artista chinês Ai Weiwei ainda é constantemente vigiado pelas autoridades chinesas. Não está em questão se ele é de esquerda ou de direita, mas as razões que levam o Partido Comunista Chinês a proceder em uma política cultural que nada tem a ver com os pressupostos teóricos do marxismo. No seu ateliê em Pequim, por volta das 9 h da manhã, Ai Weiwei elabora arranjos de flores na cesta de uma bicicleta. Curiosamente, com estas obras inofensivas(que no máximo remetem a uma crítica sutil ao governo) ele não possui mais passaporte desde a sua prisão em 2011. Mas mesmo tratando-se de suas obras anteriores, mais polêmicas, nada ingênuas e tremendamente provocadoras, seria o governo chinês incapaz de lidar com a arte contemporânea? Por que o país mais populoso do mundo, que traz em sua História a vitoriosa Revolução de 1949 que implementou o socialismo, teme a obra de um artista a ponto de controlar seus movimentos? Dentro do marxismo não existe nenhuma justificativa para isso. Mesmo se um artista possui intenções ideológicas de conspirar contra um governo dito socialista, o Partido não deve reprimir mas promover um debate público sobre as implicações estéticas das obras de arte em questão. Deste modo, o aspecto crítico revolucionário ou as intenções reacionárias das obras são esclarecidos para toda a população.
  Do ponto de vista revolucionário, o problema deste controle policialesco sobre a arte na China, é o fornecimento de munição para que a imprensa capitalista mundial faça uso disto para desmoralizar o socialismo. A língua afiada e bem paga da imprensa burguesa advoga que no capitalismo a arte é livre e no socialismo não. É preciso desfazer este engano, pois os verdadeiros comunistas além de não temerem a arte, encontram nela uma aliada histórica para os objetivos políticos comunitários. Mas seria a China realmente socialista? A repressão no campo da cultura geralmente exprime os erros políticos do governo chinês. Uma situação dicotômica é revelada quando o histórico isolamento da Revolução chinesa acarretou a partir do final dos anos setenta na abertura econômica e consequentemente na entrada do capital(alguns falam que na China de hoje existe classe média e mais valia), ao mesmo tempo em que o Partido vigia implacavelmente a vida cultural. Pois bem, o futuro do socialismo chinês depende de uma reavaliação dos rumos políticos e culturais do país. A arte não pode ser vigiada, mas estimulada enquanto fonte de crítica social: cabe estabelecer quando esta crítica contribui para a construção do socialismo ou torna-se propaganda burguesa. Esta é a missão dos artistas socialistas chineses que desejam liberdade mas que não podem aceitar o velho jogo do imperialismo.


                                                             Geraldo Vermelhão