domingo, 22 de dezembro de 2013

O Descanso dos Guerreiros: voltaremos em janeiro

Companheiras e Companheiros:
Encerramos mais este ano de luta confirmando um antigo diagnóstico de nossa pequenina(e aguerrida)  Redação: a arte não fará a Revolução, mas a Revolução não será feita sem a arte. Será que um militante da cultura tira férias? Felizmente o cérebro não para: nossa posição anticapitalista não permite baixar a guarda, levando inevitavelmente nossa indignação cotidiana contra o Estado burguês. Ficamos enojados tanto com a miséria econômica decorrente do capital, quanto com a miséria espiritual resultante das estéticas conformistas e organizadoras da ideologia dominante. Entretanto, se repudiamos a cultura estabelecida, é preciso renovar nossas energias em um merecido, porém breve, descanso. Estejam certos de que enquanto bebemos vinho barato e comemos carne, estamos descansando e ao mesmo tempo maquinando nossas estratégias culturais de resistência para o ano de 2014.
  Voltaremos a mil por hora em meados do mês de janeiro de 2014 com nossos artigos, vídeos, cartas abertas, manifestos e sempre difundindo as concepções artísticas e literárias de oposição á sociedade burguesa. Em 2014 o debate estético será tão urgente quanto o debate político. Aguardem !


                                                         Conselho Editorial Lanterna

A diferença ideológica entre o roteiro original e a direção do filme O Gabinete do DR Caligari,de 1919:

O tema primitivo de " Caligari " , de Mayer e Janowitz, o seu expressionismo, tinha em sua base um espírito revolucionário, no qual os roteiristas acusavam a violência autoritária de todo excesso desumano. Mas a versão cinematográfica de Wiene negava o sentido revolucionário do cenário expressionista...
O estilo expressionista do filme " Caligari " não fez mais do que traduzir as quimeras de um louco numa linguagem imagética correspondente. Em consequência disso, o estilo de " Caligari " estava tão longe de representar a loucura como de transmitir uma mensagem revolucionária. 

                                               
                                                                      Siegfriend Kracauer, 1947.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Liberdade e Internacionalismo em Hélio Oiticica:

Aí, Hélio Oiticica ainda é a referência das referências entre artistas libertários no Brasil(e quiçá no mundo). Isso nada tem de tietagem, não tem nada a ver com papinho de fã: é apenas a constatação de que a obra viva de Hélio ainda ajuda a acender o pavio. Para seguir adiante no grande rombo social que as revoltas de 2013 abriram, temos que problematizar as ideias artísticas deste anarquista, neto de anarquista e pai de todos os libertários que desejam transformar a sociedade a partir do ambiente, das proposições que subvertem a percepção(falo politicamente!) e o comportamento dos indivíduos. Na minha opinião marxistas envolvidos com arte também só tem a ganhar com o estudo e a prática das ideias de Hélio; digo isso com base no fato de que a dimensão política na arte de Hélio Oiticica ultrapassa o óbvio, o panfletão moralista que ainda encanta o Sr José Ferroso.
  Partindo das teses da Nova Objetividade, de 1967(completamente diferente daquela defendida por artistas alemães no começo do século passado), podemos extrair na " vontade construtiva geral " de Hélio, dois pressupostos para revolucionar a expressão. Não se trata apenas de superar o cavalete e o peso escultural, etapa consolidada já nos anos sessenta com o trabalho arretado dos neoconcretos(o próprio Hélio saiu na frente de todo mundo ao colocar a rapaziada  da Mangueira para vestir o quadro com os Parangolés, e assim fazer a obra de arte sambar!). As consequências atuais da Nova Objetividade segundo Hélio, encontram-se na consciência libertária e internacionalista que brotam das proposições ambientais. É neste ponto que a priorização  da participação popular em situações que acabam com a divisão burguesa entre artista e espectador, possibilita um novo e super atual entendimento sobre as implicações políticas da arte. 
  Para Hélio não dá para insistir na mensagem política mastigada contida em formas tradicionais de arte. Mesmo com um discurso " revolucionário ", voltado para " o proletariado ", esta arte perdeu o trem da História porque o povo não é uma entidade abstrata mas uma coletividade feita obviamente de indivíduos, que não sabem que estão vivos; somente pelo gesto criador pode-se questionar as condições massacrantes do trabalho social e assim obter pela participação popular na arte uma posição política contrária ao sistema.   Num mix muito louco de Duchamp e Bakunin, Hélio ataca a passividade, a repressão da libido e a própria condição de alienação social quando concebe o povo enquanto artista que age diretamente sobre o meio ambiente, sobre a matéria, alterando a partir do micro as relações de poder. Diante de colonialismo cultural que perpetuamos ainda hoje com a importação cega e puramente comercial, a antiarte brasileira de Hélio Oiticica é internacional porque possui um valor de liberdade para todos os indivíduos escravizados pela sociedade de consumo. É a ilustração precisa, a prática direta do " exercício experimental de liberdade " que Mário Pedrosa(um verdadeiro guru para Hélio) defendia para a arte do nosso tempo. 
  Com o acesso facilitado ás ideias de Hélio através de livros e documentários, já temos meio caminho andado para insistir numa arte que, como o próprio artista brasileiro gostava de dizer, é capaz de " virar a mesa ".


                                                                       Marta Dinamite 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A modernidade teatral de Meyerhold:

(...) A s grandes aberturas e as revoltas de todo gênero na vida do espírito e da técnica de nosso tempo tem acelerado de novo o ritmo do pulso mundial. Não nos basta o tempo. Por isso em tudo queremos brevidade e exatidão. Fazendo valente contrapeso ao decadentismo, do qual o maior indício são a vaguidão e o excesso de sal na revelação dos detalhes, colocamos a compreensão, a profundidade e o brilho. E sempre em tudo buscamos apenas a grandiosidade das escalas.
É mentira que não sabemos rir. Em nós não há, no entanto, o torpe, por assim dizer, riso amorfo do cretino. Mas é nos conhecido o riso curto e esbelto da pessoa culta, que tem aprendido a olhar as coisas para baixo e para dentro.
A profundidade e os extratos, a brevidade e os contrastes! Desliza pela cena o Pierrô pálido de pernas longas, e o espectador imediatamente adivinha nesses movimentos a tragédia eterna do homem que sofre em silêncio e em seguida já se põe em cena a arlequinada  animosa. O trágico muda para o cômico, a sátira aguda atua ao lugar da musiquinha sentimental.


                                Vsévolod Meyerhold, 1912.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Quando o Romance Proletário torna-se Literatura de Vanguarda:

Quem tem medo da literatura revolucionária de Patrícia Galvão? Com exceção de professores corajosos, pesquisadores ousados e militantes de esquerda, boa parte da intelectualidade que infesta os meios literários sente-se agredida com a ousadia técnica e a verdade social que brotam da pena vermelha de Pagu. Tratando-se particularmente de Parque Industrial(1933), primeiro romance proletário em terras brasileiras, um chiado pós-moderno parece querer censurar uma obra aonde engajamento político e experimentalismo se interpenetram. Portanto, este romance de Pagu, interessa hoje em dia exclusivamente ao intelectual engajado e  principalmente aos jovens escritores trabalhadores deste país. Num momento em que a cultura das periferias transborda uma literatura violentamente realista, capaz de chacoalhar o marasmo estético e político das letras nacionais, o livro de Patrícia tende ajudar a colocar mais lenha na fogueira.   
 Para muita gente, Parque Industrial seria apenas expressão do realismo socialista. Isto não é verdade: mesmo existindo o dado da propaganda ideológica, com apologias claramente partidárias, esta que é uma das obras pioneiras da nossa literatura proletária, alia as experiências estéticas mais avançadas do modernismo brasileiro com a exigência de uma literatura voltada para a agitação política operária. Claramente influenciada pela forma experimental do romance Serafim Ponte Grande, do seu então companheiro Oswald de Andrade, a escritora acaba por ultrapassa-lo. Ela sustenta uma proposta artística que ainda não foi devidamente reconhecida em sua evidência histórica: o conteúdo revolucionário requer uma forma revolucionária, verdade esta que muita gente ainda não sacou e que levou  outros, como Maiakóvski, a insistirem no assunto até a morte.
 Com cortes rápidos, agilidade gráfica(originalmente as letras eram grandes e o espaçamento entre as linhas também, visando assim o público pouco familiarizado com a palavra escrita) e crueza na hora de retratar os dramas de operárias da cidade de São Paulo, Pagu apresenta a rara conjugação entre literatura proletária e literatura de vanguarda; uma proeza rara em nossa História literária subterrânea .Como é sabido, Patrícia insere ainda a questão de gênero ao debater não apenas as questões sócio-econômicas mas também sexuais, mostrando que a monstruosidade do sistema capitalista está presente em todas as relações sociais: a mulher proletária é oprimida no trabalho e no corpo.
 Assinado com o pseudônimo de Mara Lobo(por exigência do Partido Comunista, num período em que este estabelecia uma relação tumultuada, cheia de desconfianças, com artistas e intelectuais de esquerda), Parque Industrial apesar de escrito há mais de oitenta anos, é um livro obrigatório para os romancistas brasileiros dispostos a denunciar o capital e colocar a rapaziada para pensar. É uma verdadeira missão intelectual para professores e também para as publicações culturais de esquerda, fazerem com que este romance chegue ao público certo: escritores trabalhadores, os únicos que podem arrancar a literatura atual do " EU " que toma conta de boa parte da prosa e da poesia brasileiras. 



                                                                     Lenito

Poema LAGOSTIM, de Benjamin Péret:

As egretes de tua voz  jorrando da sarça ardente de 
teus lábios
Onde o cavaleiro de La Barre gostaria de consumir-se
As tarrafas de rapina dos teus olhares pescando sem 
perceber  todas as sardinhas de minha cabeça
teu sopro selvagem de amores-perfeitos
refletindo-se do teto nos meus pés
me atravessam de lado a lado
me seguem e me precedem 
me adormecem e me acordam
me jogam pela janela para me fazer subir pelo
elevador 
e reciprocamente 


                                     Benjamin Péret, 1936. 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Cinema e dialética em Eisenstein:

(...) No campo da arte, o princípio dialético da dinâmica ganha corpo no

                              CONFLITO

como o mais essencial princípio fundamental da existência de toda obra de arte e de todo gênero artístico.
Pois arte é sempre conflito:
1- Segundo sua missão social
2- Segundo sua essência
3- Segundo sua metodologia

(...) No campo da imagem que corre(cinema), temos por assim dizer, a síntese desses contrapontos. Da imagem - o espaço, e da música - o temporal.
Isso é caracterizado no filme por aquilo que podemos designar pelo conceito:

CONTRAPONTO VISUAL

Aplicado ao filme esse conceito torna possível indicar diferentes linhas diretrizes para o problema, para uma espécie de gramática fílmica.
 Do mesmo modo, uma sintaxe das exteriorizações fílmicas, em que o contraponto visual pode condicionar um sistema totalmente novo de formas de exteriorização.(...)
 E quanto a tudo isso:
como suposição fundamental: um quadro não é um elemento de montagem,
um quadro é uma célula de montagem(molécula).


                           Sergei Eisenstein, 1929.


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Novamente em questão, os pressupostos históricos para a " Literatura Proletária ":

Autonomia e compromisso não são necessariamente dois termos opostos no combate literário. Se a opção política pela classe operária não é gesto sentimental de caridade, mas a constatação histórica de que somente o proletariado apresenta-se enquanto força histórica capaz de colocar fim á sociedade de classes e proporcionar a transição para o socialismo, então o compromisso político requer autonomia estética para novas experiências culturais: é a autonomia, a liberdade que podem permitir o desenvolvimento da pesquisa formal e estilística, que em nada tem a ver com grito de torcida. No campo específico da literatura, de nada adianta a solidariedade espiritual com a pobreza econômica se as técnicas literárias não forem localizadas dentro das relações de produção. Se o leitor lembrou-se aqui de Walter Benjamin, ele acertou em cheio: as condições técnicas de produção literária inseparáveis da forma literária, precisam revelar relações de produção que não abasteçam o aparelho capitalista.
  Não faltam na pequena burguesia esquerdista, boas almas interessadas em escrever sobre a fome e os dramas sociais. Mas como diferenciar na orientação literária o humanismo burguês do marxismo? Por maior que seja o virtuosismo de um romancista, de um contista ou de um poeta, tudo é infrutífero se o meio de produção utilizado por ele é controlado pela burguesia e gera tão somente leitores de uma classe média radical. Aliás, tratando-se de uma possível literatura proletária(expressão polêmica e recheada de maus entendidos, já abordados por nós aqui neste blog), hoje ela é produzida nas periferias por trabalhadores. Somente estes, quando compenetrados na sua escrita, conseguem exprimir para as suas comunidades o olhar literário do trabalhador.  É chover no molhado quando alguém vocifera que deve-se acabar com o " subjetivismo " do escritor e do artista, fazendo da obra literária/artística um libelo de propaganda. Além de não entrar na pele do problema literário, além de insistir numa análise idealista que só se preocupa com o conteúdo político e não com as relações de produção, agitação e propaganda enquanto resoluções afoitas e sem dimensão histórica concreta, não passam de um refrigerante que a gente agita, agita, e logo depois se esparrama com todo o gás, restando bolinhas literárias no ar e só um restinho de poesia na garrafa.
  É sempre bom recorrermos aos apelos de Lenin e Trotski na Ex-URSS, pois ao insistirem que uma nova cultura só poderia nascer quando o proletariado assimilasse as heranças artísticas e literárias do passado, eles tocam no ponto fundamental para o desenvolvimento da literatura: Educação. Não se trata de colocar os trabalhadores na escola e esperar em décadas uma nova literatura revolucionária. Paralelamente ao estudo da História da literatura(inclusive das técnicas modernas, de vanguarda) escritores revolucionários oriundos tanto da classe trabalhadora quanto da classe média, devem pesquisar juntos novas formas dentro de meios de produção culturais que façam da literatura um dado cotidiano na vida das massas. Um poema vanguardista(por exemplo), mesmo sem tratar de fábricas ou favelas, pode ser extremamente útil para um poeta operário: as técnicas de vanguarda podem ampliar o entendimento de mundo do autor popular, fornecendo-lhe novas formas de expressão. Assim sendo, mais do que literatura proletária devemos nos preocupar com a literatura nas mãos do proletariado.


                                                                Os Independentes

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Rock, o prazer que contesta:

Nunca entendi porque as manifestações de arte politizada(inclusive no âmbito musical) precisam ser chatas, sisudas, herméticas, lentas ou assexuadas. O terreno estético é a zona do prazer sensível, da energia erótica que mesmo sublimada, mesmo sendo cultura, transgride a ordem econômica baseada no desprazer do trabalho alienado. Sabemos bem que a burguesia tem uma rígida vigilância sobre o prazer, nem que para isso ela tenha que fabrica-lo dentro dos parâmetros da hipocrisia e da perversão controlável. A música no século XX quebrou a espinha dorsal das estéticas clássicas, eruditas, que exprimiam o gosto da classe dominante. A cultura de massa, apesar de ser cúmplice do capital, trouxe os gostos " selvagens " da música popular; gêneros musicais como o jazz, o samba, o blues e principalmente o bom e velho rock 'n ' roll infestaram os ouvidos burgueses com sons que batem diretamente no corpo, na sexualidade reprimida. Hoje em dia a indústria sabe muito bem como evitar o descontrole musical e a transgressão dos comportamentos, por meio de uma cooptação serial de sub-culturas musicais(que a exemplo do rock, já foram rebeldes) e fabricando de improviso novos músicos, que mesmo demonstrando ou não " competência técnica ", não querem questionar nada. 
  O rock sempre deu um nó na cabeça das esquerdas, inclusive no Brasil. Se os soviéticos achavam que Elvis Presley era pirado e se os discos de rock de várias bandas eram traficados no bloco socialista durante a guerra fria, quem poderia negar que o rock além de assustar a burocracia " socialista ", preocupou ainda mais com seu lastro contracultural as burguesias do ocidente?  Afim de denunciar aqui o chamado rock neoconservador(uma contradição de termos, diga-se de passagem) que hoje faz ninho nos jovens ouvidos despolitizados, precisamos sempre ter em mente os exemplos históricos de transgressão dentro do rock. Não me ocorre exemplo mais preciso que os Rolling Stones, afinal como Pete Townshend, líder do The Who, disse certa vez, " foram os Stones que transformaram o rock em algo socialmente perigoso ". Além de não suavizar nem um pouco o blues, a banda inglesa entre os anos sessenta e setenta, exprimia toda insatisfação que qualquer adolescente do planeta possuía : a explosão da energia sexual, a irreverência do lado andrógeno, a embriaguez em público, o mal humor ... Qualquer pessoa de esquerda entre os anos de 1965-69, poderia perceber que os Stones não podiam ser os queridinhos da mídia, porque para boa parte da juventude proletária da época, as músicas da banda mostravam a insatisfação diante do trabalho, da vida sexual e do caráter ridículo do consumismo.
 Se os Stones, assim como outras grandes bandas de rock, tornaram-se milionários, isto revela a contradição essencial das artes na sociedade contemporânea, pois fora do socialismo e dentro do coração do capitalismo ou o artista participa do sistema ou se marginaliza. Os Stones e outros artistas da sua geração(inclusive no Brasil) optaram pela primeira escolha. Mas essa mesma escolha enterra definitivamente as formas de contestação que também são prazer? Em 1979 Mick Jagger, aquela altura não apenas um rockeiro mas também um homem de negócios, tentava convencer em vão o governo socialista chinês para uma turnê dos Stones, argumentando que a banda era " a campeã entre o proletariado inglês ". Curiosamente, cinco anos antes, o governo militar brasileiro também negava uma turnê dos Stones alegando que eles eram " mal exemplo para a juventude brasileira ". Pois bem, ainda que o proletariado inglês em 1979 estivesse mais interessado no punk rock do The Clash no que na banda de Jagger e Richards, é interessante como o rock incomodava o poder estabelecido como um todo: seja a opinião pública inglesa ou norte americana, seja um governo "socialista " ou ainda uma ditadura militar anti-comunista! 
   Hoje em dia o rock pode assustar burgueses e burocratas? Embora tenha ficado mais difícil chocar uma sociedade que em grande parte absorve as formas de contestação, procurando neutralizar a rebeldia, o prazer e o caráter violentamente sensual da música podem incomodar. Por que isto não poderia ser feito ainda com guitarra, baixo e bateria? Os neoconservadores precisam parar de fingir e voltar a ouvir suas musiquinhas inofensivas de sempre. Já os revolucionários sabem que barulho e prazer ajudam a encher o saco dos capitalistas.


                                                     Tupinik

sábado, 14 de dezembro de 2013

Trotski defende que a liberdade é uma exigência para a arte:

(...) Sem uma nova bandeira e um novo programa, é impossível criar uma base de massa revolucionária; é impossível, portanto, fazer com que a sociedade saia do impasse. Mas um partido autenticamente revolucionário não pode nem quer ter como tarefa " dirigir " e ainda menos colocar a arte sob suas ordens, nem antes nem depois da tomada do poder. Semelhante pretensão só pode surgir da cabeça da burocracia ignara e impudente , ébria com seu poder absoluto, e que se tornou a antítese da revolução proletária. A arte, como a ciência, não só não precisam de ordens, mas não podem, por sua própria natureza, suporta-las. A criação artística tem suas leis, mesmo quando está conscientemente a serviço do movimento social. A criação intelectual é incompatível com a mentira, a falsificação e o oportunismo. A arte pode ser uma grande aliada da revolução, enquanto permanecer fiel a si mesma. Os poetas, os artistas, os escultores, os músicos, eles próprios acharão os seus caminhos e métodos, se os movimentos liberadores das classes e povos oprimidos dispersarem as nuvens do ceticismo e pessimismo que escurecem neste momento o horizonte da humanidade.


                                                 Leon Trotski, 1938.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Nossa História recente ensina os artistas a estarem em guarda:

Neste 13 de dezembro de 2013, não podemos esquecer o dia 13 de dezembro de 1968. Um cheiro de sangue seco ainda pode ser sentido após a implementação do Ato Institucional Número 05, quando a ditadura militar intensificou a repressão política. Fazendo jus á Gestapo , o regime militar brasileiro afetou também, como é sabido, a vida de artistas e intelectuais através de prisões , perseguições e torturas. Epa, " como é sabido "? Não, infelizmente a ditadura fez as suas sementes de barbárie florescerem hoje em dia na cabeça de esterco de muita gente: é comum ouvirmos que a ditadura colocou " ordem "(rs) e " salvou "(aí já é demais...) o Brasil dos comunistas, dos depravados, dos maconheiros, dos marcianos, enfim, de todos aqueles que a extrema direita classifica ainda hoje como subversivos/pecadores. Uma direita delirante sob a luxuosa etiqueta de neoconservadora,  ameaça a memória de todos aqueles que levantaram a voz contra a repressão(seja com cartazes, metralhadoras, violões, câmeras, máquinas de escrever, etc). Ridicularizar e criminalizar militantes do passado, inclusive aqueles situados no campo da arte revolucionária, significa também abrir as portas do porão para a atual geração de militantes: se a burguesia tentou calar a boca dos revolucionários ontem, ela também pode faze-lo novamente hoje.
  Enquanto autores que pensam e praticam arte revolucionária, temos um compromisso com a memória de poetas, escritores, músicos, cineastas, atores, pintores, enfim militantes, que por estarem ao lado da classe trabalhadora, ao lado das forças que representam a liberdade contra um sistema de injustiças(ainda que alguns destes artistas representem a liberdade apenas sob o seu aspecto formal), devem ser estudados e transformados em referências históricas.
 Não vamos dar o gostinho da vitória aos fascistas, bem como aos amantes dos fascistas. Estamos permanentemente em guarda.


                                                       Conselho Editorial Lanterna

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Como o teatro pode alcançar o futebol?

Primeira pergunta manjada: " O Futebol aliena o proletariado brasileiro?". O futebol em si é uma expressão cultural muito bacana, onze caras para cada lado e a bola metaforizando um objetivo comum que pelo esforço coletivo leva a uma interação física, a uma liberação das paixões entre jogadores e torcedores. Mas acontece que o futebol exprime no Brasil a cadeia produtiva mais lucrativa, gerando um efeito anestésico promotor de uma eficiente forma de dominação política pela cultura: no " futebolcentrismo " a população fica condicionada pelos jogos, tem todos os seus meios de expressão direcionados por referências futebolísticas; tudo na rotina do povo brasileiro é explicado pelas parábolas do futebol, seja a competição no emprego, as disputas pelo poder político e até a vida sexual. Para o Estado e para a mídia nada pode soar mais seguro, pois a grande prioridade é a manutenção da ordem capitalista(torcedores da mesma classe social se pegam de porrada, canalizando uma energia invertida da luta de classes). Segunda pergunta manjada: " O teatro brasileiro possui alguma chance de se igualar ao grande espetáculo do futebol?". Já de cara afirmo, colado na teses de Oswald de Andrade, que a longa jornada cênica em direção aos trabalhadores depende da superação das caixas pretas rumo ao estádio.
 Numa partida, quando o jogador foge das regras leva um cartão amarelo, e dependendo, vermelho. Já no teatro(revolucionário, é claro) não existem cartões de advertência e expulsão, pois o ator consciente do seu papel político, pode fugir de todas as regras sociais e estéticas quando está em ação: ele não procura fazer um gol, ele não se importa com vaias ou aplausos; seu objetivo é libertar a consciência política e o corpo reprimido dos espectadores(que não se limitam a torcer mas participam do espetáculo). Evidentemente que as autoridades sabem do poder político do teatro, e logicamente que os capitalistas não vão investir na sua própria cova. E o povo diante do teatro revolucionário? Vamos acabar logo com esta conversa elitista/paternalista que considera os trabalhadores incapazes de compreender/sentir um espetáculo teatral. Pra começar não é um problema de comunicação: grupos de teatro político da atualidade já comprovaram que operários observam com atenção manifestações cênicas de rua. O teatro revolucionário moderno não possui elementos herméticos mas populares: O circo e o teatro de variedades em Meyerhold , o boxe e o cabaré em Brecht, por exemplo. 
 Quem tem medo do teatro é a burguesia... Diante disso a política cultural dos partidos socialistas, precisa incorporar as ideias de Oswald de Andrade para a criação de teatros de estádio. Oswald foi certeiro naquele que é o mais genial manifesto do teatro político moderno no Brasil: Do Teatro, Que é Bom. O texto, que já publicamos aqui, integra o obrigatório livro de artigos de Oswald Ponta de Lança, de 1945 . Oswald é muito claro ao dizer que na era da máquina um teatro de choque, sadio e popular, pode ajudar a reeducar o mundo quando os meios de produção forem finalmente coletivizados. Embora o Brasil esteja distante do socialismo, esforços na direção de um teatro de estádio ocorrem há um bom tempo. O grande defensor da ideia é o teatrólogo Zé Celso, que á frente do grupo Teatro Oficina(as décadas passam e o grupo ainda faz um teatro danado de bom), persiste na militância antropofágica, dando continuidade ás ideias de Oswald. 
  Se não interessa para a classe dominante um teatro de estádio, mediante o seu alcance político libertário, o que o teatro pode fazer? Por hora temos que insistir nos focos de resistência , recorrendo á diferentes estratégias cênicas(alguns praticam um teatro didático, outros creem na crueldade de Artaud, etc) e o mais importante: não sermos coniventes com a pequena burguesia de plástico, mas buscar um público popular. O teatro é frágil sem um projeto político que norteie suas práticas. Não podemos apenas conceber o Estado como uma grande vaca aonde todos nós podemos mamar as verbas. Não me oponho aqueles que usam verbas públicas para fazer teatro(desde que seja um teatro que contribua com a transformação cultural e política do país, respeito). Mas penso que ainda é pouco, pois a questão é política, afinal o estético e o econômico não se separam da dimensão ideológica: somente o socialismo pode abrir portas para o teatro de estádio que Oswald sonhou. É compreensível(mas não perdoável) que alguns desanimem diante do cenário político atual: a coqueluche da Copa 2014 parece sufocar as intenções de um teatro disposto a reeducar as massas. Mas não importa: sigamos como guerrilheiros do palco violentando a cultura dominante, acreditando no socialismo e construindo as condições para o teatro, que é bom.



                                                  Geraldo Vermelhão 

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Trecho do " Segundo Manifesto do Surrealismo ":

(...) O problema da ação social não é(faço questão de voltar a este ponto e de nele insistir) senão uma das formas de um problema mais geral, que o surrealismo tomou a si suscitar e que vem a ser o problema da expressão humana em todas as suas formas. Quem diz expressão diz linguagem, para começar. Ninguém haverá, pois, de se admirar com ver o surrealismo situar-se , antes de tudo, quase unicamente no plano da linguagem; nem tão pouco, de que nada volta de qualquer incursão, a ele retorne como que pelo prazer de ali sentir-se em terra conquistada(...) As horas de palavras literalmente desencadeadas para as quais Dadá e surrealismo fizeram questão de abrir as portas, por mais que nos desagradem, não são das quais se retiram a troco de nada. Pouco a pouco elas penetrarão nas cidadezinhas idiotas da literatura que ainda se ensina e, misturando, sem dificuldade, os altos e baixos distritos, calmamente procederão a uma bela derrocada de torrinhas. A pretexto de que, por obra nossa, é somente a poesia que, nos dias que correm, se acha seriamente abalada, a população não se preocupa demasiado e vai construindo, aqui e acolá, as barreiras sem importância. As pessoas pretendem não perceber que o mecanismo lógico da frase, por si mesmo, mostra-se cada vez mais incapaz de provocar no homem o abalo emocional que dá, realmente, algum valor a sua vida. Em compensação, os produtos desta atividade espontânea ou mais espontânea, direta ou mais direta, como aqueles, que cada vez mais numerosos, lhe oferece o surrealismo, em forma de livros, de quadros, de filmes, e que ele começou a contemplar com estupor, atualmente ele se rodeia deles e, mais ou menos timidamente, delega-lhes o cuidado de revolucionar o seu modo de sentir.


                                                     André Breton, 1930. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A luta dos Artistas Trabalhadores contra a Indústria Cultural, depende de uma Direção Política Socialista:

É natural que o artista militante direcione sua munição contra a produção cultural que circula pelos mais variados meios de comunicação de massa. A imagem da arte do nosso tempo entra em conflito com o modo de produção capitalista, gerando um contraste que é a própria expressão das contradições sociais. Sendo assim nada mais consequente do que entrar em choque com os padrões industriais de estéticas que reprimem o necessário conflito imagético, a discrepância que possibilita a crítica social e a contestação política. Ao mesmo tempo, para utilizarmos orientações estéticas corretas e capazes de gerar efeitos libertários, devemos levar em conta que o conceito de indústria cultural não é  mais o mesmo empregado pelo filósofo Adorno(as relações entre os meios como o cinema, o rádio e a televisão com o espectador, modificaram-se, em parte, com as novas tecnologias digitais). Contrariando a tese de Adorno não podemos mistificar uma certa imobilização política, ou seja, não se trata de um processo irreversível de dominação pela técnica(e as teorias de Adorno, embora possuam uma contribuição atual e ímpar, refugiam-se na torre de marfim porque seu pessimismo envolto em uma " dialética da negatividade ", nega a militância cultural porque em última instância nega o próprio caráter revolucionário contido na classe trabalhadora).
   Se a indústria cultural consiste na produção em série de produtos culturais resumidos em uma estética simplificadora/homogeneizadora, feita de fórmulas e portanto sem variações formais, é inegável o seu poder para compensar ilusoriamente os desejos adiados pelo trabalho alienado. Claro que as formas artísticas e literárias que exprimem a oposição política, quando isoladas, não fazem sequer cócegas na barriga do dragão. No entanto, se as estéticas comprometidas com o socialismo desenvolverem um trabalho sistemático, a oposição política pela arte pode adquirir projeção dentro das democracias burguesas: a circulação de uma produção artística revolucionária depende exclusivamente do acolhimento dentro das organizações políticas de esquerda. Portanto,  arte revolucionária não é a velha formiguinha contra o gigante, mas uma força potencialmente transformadora que depende de uma direção política disposta a enfrentar o capital sob todas as suas formas(inclusive aquelas da indústria cultural).
  O isolamento do artista socialista e do militante da cultura é parte do mesmo problema das categorias de trabalhadores que não possuem uma liderança política combativa. Logicamente que a arte não deve e não pode prestar contas á organismos políticos, mas sua eficácia na realidade social depende do apoio destes últimos. Portanto, desanimar diante da alienação da cultura da chamada "classe C" , novo filão da indústria cultural, julgando que no fundo o proletariado não " quer saber de socialismo ", é dar voz a um sentimento derrotista que leva inevitavelmente para a torre de marfim. Insistamos na atualidade da arte revolucionária e no necessário apoio que esta necessita por parte das esquerdas.


                                                              Os Independentes

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Brecht analisa o Realismo:

(...) Fazer do realismo uma questão de forma, vincula-lo a uma forma, e somente a uma, e a uma forma velha, é esteriliza-lo(...) Os princípios formais que podemos extrair dos clássicos do realismo burguês, do realismo da época capitalista e imperialista, estão longe de serem suficientes(...)Não podemos impedir a literatura de aproveitar as faculdades recentemente adquiridas pelo homem de hoje, tais como a percepção simultânea, a audácia da abstração, a rapidez nas combinações mentais. Se o que se pretende é um rigor científico, é preciso examinar, com a paciência de um beneditino, que é precisamente a paciência de um sábio, o efeito resultante em cada caso em que estas faculdades são adaptadas ao domínio da arte(...)Não podemos deduzir o realismo de certas obras existentes: ao contrário, devemos empregar, para mostrar a realidade como dominável pelos homens, todos os processos, antigos ou novos, provados ou inéditos, derivados da arte ou de outros terrenos. É preciso evitar confundir tema e conteúdo: coloca-se em contradição as escolhas pessoais do autor com a tendência dos temas.


                                                                      Bertolt Brecht

sábado, 7 de dezembro de 2013

Os Fuzis e outras armas do Cinema Novo:

Os Fuzis(1963), filme que exibiremos esta noite, é uma das mais altas expressões do cinema político nacional. O longa de Ruy Guerra é um convide audiovisual que contrasta radicalmente com a linguagem e o estilo do cinema dos nossos dias; recusando a velocidade industrial de imagens descartáveis, este filme se detém em longas tomadas, que captam pela fotografia realista a miséria nordestina e a truculência das autoridades. Um exemplo claro disso é um sertanejo arrancando uma raiz para matar a fome.
   No filme, soldados são chamados até um vilarejo para perpetuar a ordem e impedir que os moradores famintos cometam saques. Um grande valor sociológico é apresentado sem sociologismos, pois a câmera cinemanovista convida o espectador a sentir-se incomodado com uma forma de organização social em que a ordem implica em perpetuar a miséria, a fome de um povo com fuzis apontados para suas próprias cabeças. É como se Ruy Guerra capturasse o soldado amarelo do livro Vidas Secas de Graciliano Ramos, e dissecasse sua consciência: os soldados do filme, igualmente de origem popular, não compreendem as razões sociais da miséria, e graças a construção ideológica dominante desprezam os sertanejos, como se a fome e a pobreza fossem resultados da " indolência ", da " preguiça ". 
  O que chama nossa atenção em Os Fuzis é a exposição objetiva do drama social, suscitando em cada quadro uma reflexão sobre o poder das armas sobre o povo, o verdadeiro papel político da força do Estado.Em texto, Glauber Rocha comentou a crítica precisa do cineasta: em uma cena, um soldado de olhos vendados, arma o seu fuzil e a partir do seu reflexo condicionado se prepara para atirar em qualquer alvo, sem saber exatamente(e por que) está atirando. Trata-se assim de um anti-faroeste, pois ao subverter a lógica tradicional dos mocinho e dos bandidos, da ordem e do crime, o filme funciona enquanto uma reflexão sobre quem manipula os fuzis(e o mais importante, a mando de qual classe social). Subentende-se que os fuzis poderiam estar nas mãos dos explorados, de homens desajustados como o curioso personagem Gaúcho, um ex-soldado e motorista de caminhão, que apesar do seu ceticismo possui um certo nível de consciência política inconformista. Revela-se assim por meio da estética cinematográfica um momento histórico em que as guerras de guerrilhas funcionavam enquanto orientação política que fascinava muitos comunistas brasileiros(ainda que a luta armada no país seria um fato posterior, no fim da década de sessenta, quando grupos guerrilheiros emergiam para combater a ditadura militar). 
  Penso que para libertar o cinema atual do maniqueísmo, filmes como Os Fuzis, precisam ser devidamente assistidos e estudados. Que este produto notável do Cinema Novo sirva de exemplo para que os cineastas brasileiros de hoje não imitem os gringos com seus mocinhos e bandidos, mas usem suas câmeras para desvendar a trágica realidade brasileira.


                                                                      Lenito   

FILME: Os Fuzis

ANO: 1963

DIREÇÃO: Ruy Guerra

LOCAL: Museu da Imagem e do Som de Campinas

HORÁRIO: 19:30

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Vanguardas artísticas e a vontade de transformação política:

Curiosamente as três últimas décadas são caracterizadas pela despolitização de escritores e artistas que abrem mão de filiações ideológicas e ações coletivas. Se a onda conservadora ainda está alta, procurando naufragar com a estupidez dos céticos um projeto político alternativo ao capitalismo, não podemos fugir do elo magnético que une arte e política. Mas para se compreender corretamente as questões artísticas e políticas, devemos antes conceber a estética enquanto campo utópico que não está a serviço do imediatismo da ideia política, pois ela é essencialmente  uma dimensão ideológica que antecipa as mudanças sociais.
    Não se trata de um anacronismo no qual a arte voltaria a ser um altar contemplativo, um refúgio metafísico. Walter Benjamin foi muito claro quando definiu a crise da aura nas obras de arte. Para se pensar arte revolucionária é preciso investigar as vanguardas históricas sem nenhum tipo de preconceito. Deste modo será verificado que as vanguardas em suas especificidades não anunciaram apenas rupturas formais. Tão pouco as rebeliões de vanguarda foram muletas para ideologias políticas. A arte de vanguarda exigia uma transformação total da representação, revelava o brotar de uma percepção moderna das coisas e um novo sentido da vida em comunidade. Reorganizando o olhar, os vanguardistas destruíram cânones estéticos ao mesmo tempo em que a dinâmica interna da arte foi preservada. Mesmo se configurando em agiprop, como no caso da arte soviética, as vanguardas abandonaram velhas noções de beleza e partiram do maquinismo, das novas técnicas, do automatismo, da realidade das massas para introduzir uma sensibilidade revolucionária que por sua vez era o correlato simbólico do socialismo.
  Da mesma maneira que seria de uma grande burrice cultivar anacronicamente formas de vanguarda desconectadas de seu contexto histórico, não se conseguirá uma porta através da apelação ideológica que na maioria das vezes atropela a lógica interna da forma. Para que a arte possa continuar combatendo a sociedade burguesa, ela deve se aliar com os movimento políticos de esquerda ao mesmo tempo que deve ser livre em suas pesquisas estilísticas. Entre o liberalismo burguês e as práticas libertárias da arte existe um grande abismo. Seja em suas vertentes construtivistas ou oníricas, as vanguardas ainda nos inspiram a entender sem a ansiedade da pseudo militância, o papel emancipador da arte.


                                                       Os Independentes   

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Graciliano Ramos e a palavra escrita:

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem o seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxaguam, dão mais uma molhada , agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa,e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.
 Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.


                                                Graciliano Ramos

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Arte de Agitação e Propaganda:

Brecht nunca se perguntava se uma obra de arte é " bela ", mas sim para o que ela serve. O teatrólogo alemão estava certo, pois não tem o menor cabimento ater-se ao culto da beleza formal num mundo devastado pelas injustiças capitalistas. Eisenstein e Maiakóvski não tinham o menor receio de dizer claramente, por meio de suas obras e textos teóricos, que a arte deve propagar ideias políticas de esquerda. Ambos estão entre os grandes artistas soviéticos que traduziram a Revolução bolchevique. E hoje em dia? Pode-se dizer que reside nas cabeças, de boa parte da classe média artística, um altar: é o altar da arte, uma manifestaçaõ " espiritual ", intocável,  independente da realidade material(rs), livre(para servir ao " mercado livre... ") e " acima das questões de classe ".
  As artes em seu aspecto sensível comunica pela forma um conteúdo político, gostem ou não os artistas pequeno burgueses. O ópio metafísico já criou muitos vícios estéticos, inclusive na arte contemporânea ... Tudo indica que mesmo derrubadas as estruturas do classicismo, críticos e artistas ainda se concentram no culto formalista, numa adoração que não é religiosa mas mercadológica. Até mesmo a performance mais previsível ou a instalação que chove cacarecos , estão envoltas em sacros valores financeiros. Mas e a intenção " transgressora " de quem desafia o conceito tradicional de arte? Não existe nenhum tipo de valor estético revolucionário no discurso artístico que prega"  a fusão entre arte e vida ", pois afinal de contas, quem prega isso não vive esta fusão(a não ser mentalmente, para não dizer ilusoriamente) e acaba subordinando a sua arte á estrutura de leilões. A lógica perversa do mercado de arte aceita de bom grado aqueles que acreditam na " estetização da vida ", pois suas práticas após um burburinho inicial tornam-se inofensivas. Este já não é o caso daqueles que sabem da utilidade política da arte. Contrariando as teorias canonizadoras das obras de arte, os revolucionários não estão preocupados com galerias, espaços oficiais e nem mesmo com bobagens como a antiarte, mas com a comunicação artística eficiente nos quadros da classe trabalhadora. 
   Se não tem o menor sentido ficar babando diante de uma tela ou de uma escultura(e até, rs rs, de uma instalação), a arte que exprime a opção pelo proletariado deve ser prática, útil, com uma finalidade ideológica clara e sem escapismos. Agitação e propaganda é o termo correto para aquilo que eu entendo por arte revolucionária. É a arte que se fazia na Rússia e na Alemanha em contextos de ebulição política. Seja em 1917 ou em 1918, ou antes ou depois destas datas, a Agitprop estava ligada ás vanguardas artísticas(me refiro aquelas que podemos tirar proveito e não os esteticistas e os irracionalistas que não servem para absolutamente nada) e é claro aos movimentos de arte proletária. As experiências destes contextos históricos servem hoje para uma coisa: dessacralizar o que já não existe mais, isto é, a arte contemplativa e portanto de finalidade formalista. O cartaz, o jornal, o cinema, o teatro de rua... Sim, são nestas expressões que ainda podemos estabelecer pesquisas estéticas e construir a consciência política socialista. 
 Nada de inspiração, delírios de classe média ou manifestações de gente " culta ". Arte produtivista, arte em série, arte para agitar as massas e fazer uma propaganda clara/didática pelo socialismo. Tenho dito.


                                                              José Ferroso 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Trecho da obra surrealista " O Camponês de Paris ", de Louis Aragon:

(...) Através de mil astúcias, habituaram-me presentemente a pensar que só devo admitir como correta uma noção do universo da qual eu tenha feito um exame abstrato. Comunicaram-me esse espírito de análise, esse espírito e essa necessidade. E como o homem que tenta se desvencilhar do sono, é-me necessário um esforço doloroso para me desvencilhar desse costume mental, para pensar simplesmente, como parece natural, conforme aquilo que vejo e toco. Entretanto, não pode o conhecimento que vem da razão, por um instante, opor-se ao conhecimento sensível? Sem dúvida, as pessoas grosseiras que apelam somente para esse e desprezam aquele explicam-me o desdém em que caiu, pouco a pouco, tudo o que vem dos sentidos. Mas mesmo quando os mais sábios dos homens me tiverem ensinado que a luz é uma vibração, quando tiverem calculado para mim o comprimento de sua onda, seja qual for o fruto de seus trabalhos racionais, ainda assim não terão dado conta daquilo que me importa na luz, daquele pouco que meus olhos aprendem dela, daquilo que me diferencia do cego e que é matéria para milagre e não objeto de razão.
 Há mais materialismo grosseiro do que se crê no tolo racionalismo humano. Esse medo do erro, que na evasão das minhas ideias tudo, a cada instante, me lembra, essa mania de controle faz com que o homem prefira a imaginação da razão á imaginação dos sentidos(...) Na verdade começo a experimentar em mim a consciência de que nem os sentidos, nem a razão podem- a não ser numa jogada de prestigiador - conceber-se separadamente, e que sem dúvida eles existem apenas funcionalmente(...) Compreende-se a luz apenas pela sombra ,e a verdade supõe o erro. São esses contrários misturados que povoam nossa vida, que lhe dão sabor e inebriamento.


                                        Louis Aragon, 1926.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A plateia e a renovação da linguagem teatral:

(...) Para os que se propõem um teatro comprometido politicamente, ou ao menos colocando problemas sociais urgentes, o conhecimento da composição social da plateia é fundamental. A ideia de um teatro diretamente voltado para a classe média, já que as classes altas não interessam e as baixas estão e estarão certamente ausentes por algum tempo, esbarra com problemas difíceis. A composição ideológica da pequena burguesia é uma salada de indecisões e preconceitos, ideologia que se caracteriza justamente por sua inexistência. Levar a este público uma mensagem de inconformismo e de renovação do pensamento necessita ao menos um prévio acertar o passo com dados essenciais desta classe, para que o que seja dito tenha possibilidades efetivas de produzir algum efeito sério, ao menos como inoculação de esclarecimentos que revelam didática ou emocionalmente , ou utilizando ambos os recursos ao mesmo tempo, dados significativos da realidade brasileira de hoje. Como estabelecer este diálogo com este público é geralmente a vítima de qualquer análise sócio-estrutural da sociedade, é igualmente um problema aberto, fundamental para determinar a escolha de um repertório e a realização de uma atividade criadora que não acomode em fórmulas usadas e já gastas, mas que busque uma linguagem nova(...) As tentativas de promover espetáculos para sindicatos ou organizações de classe igualmente são cada vez mais difíceis, pois estes sindicatos e estas organizações de classe não possuem mais sentido ativo dentro das mesmas, estão desarticulados, manobrados, sem maiores contatos com seus membros(...) As prefeituras deveriam promover efetivas temporadas de espetáculos em bairros, mas para isso fornecendo ás companhias verdadeiras condições financeiras para divulgação e concretização de um plano regular de trabalho.


                                                       Fernando Peixoto, 1968. 

domingo, 1 de dezembro de 2013

Artistas e escritores enquanto estrategistas da cultura:

Companheiros:
Insistimos mais uma vez que a derrocada da sociedade capitalista depende, intimamente, de profundas transmutações no campo da percepção, da dimensão estética. Se a arte e a literatura não podem superar sua crise fora do engajamento político, tão pouco a política poderá contribuir para uma mudança mental qualitativa dos trabalhadores fora da ação artística revolucionária. Não podemos nos entregar a um otimismo grosseiro que acena para o socialismo de forma fatalista, como se estivéssemos próximos de uma profunda transformação radical da sociedade. As jornadas de junho foram uma grande lição política, mas sabemos que quem estava nas ruas, em grande parte, não era a classe operária. É preciso lidar portanto com o contexto mental, com a manipulação das forças culturais reacionárias que reprimem a consciência revolucionária dos trabalhadores.
  O socialismo é antes uma construção política que passa obrigatoriamente pelo campo da cultura. Não se pode modificar um modo de vida esperando o instante de"  uma grande noite ". É preciso, dentro do ventre capitalista, estabelecer relações, proposições, enfim experiências sensíveis que arranquem o proletariado da servidão psicológica derivada das imposições ideológicas. Como podemos falar em avanço político se a classe trabalhadora encontra-se submetida á linguagem da chamada " cultura de classe C "? Os gostos e as práticas da classe trabalhadora brasileira correspondem ás expectativas socialistas? Seria ingênuo afirmar, ainda que com argumentos " científicos ", que a crise econômica arrasta mecanicamente o proletariado para a insatisfação política. Para que o inconformismo político caminhe na direção do socialismo, um longo processo de esclarecimento ideológico se faz necessário. Justamente porque o ritmo da luta de classes é imprevisível, os trabalhadores da cultura devem atuar nas particularidades da esfera artística: agitar, instruir, provocar são deveres intelectuais que fazem da cultura não um terreno de construção posterior á implementação do socialismo, mas uma das bases fundamentais para a sua consolidação.
  A cultura é o solo por onde os nutrientes estéticos fortificam novas formas de socialização. Infelizmente grande parte das organizações de esquerda não conseguiram ainda criar uma atuação específica na esfera das artes. Advertimos que isto pode ter enquanto consequência imediata um tremendo atraso para a consciência política.
   Independentemente da economia desenhar tempos de vacas gordas ou magras, o trabalho cultural revolucionário é permanente, é ininterrupto. Esperamos que nosso apelo seja considerado por todos aqueles que almejam o socialismo.


                                 Conselho Editorial Lanterna

A poesia para Aldo Pellegrini:

A criação de uma poesia pura não tem sentido. Se realmente é poesia, sempre é impura, pois arrasta o vital do homem. O processo de cristalização do poético a que pretendem chegar os defensores da poesia pura, para obter um produto tão depurado como o mais puro corpo químico, somente consegue eliminar, juntamente com as impurezas, a verdadeira poesia.


                                       Aldo Pellegrini 

Uma Frente Revolucionária na cultura:

Uma associação internacional dos situacionistas pode ser considerada como uma união dos trabalhadores de um setor avançado da cultura, ou mais exatamente como uma união de todos aqueles que reivindicam o direito a um trabalho que é impedido de existir pelas atuais condições sociais. E essa associação deve ser considerada como uma tentativa de organização de revolucionários profissionais da cultura.


                                                              Guy Debord