(...) Através de mil astúcias, habituaram-me presentemente a pensar que só devo admitir como correta uma noção do universo da qual eu tenha feito um exame abstrato. Comunicaram-me esse espírito de análise, esse espírito e essa necessidade. E como o homem que tenta se desvencilhar do sono, é-me necessário um esforço doloroso para me desvencilhar desse costume mental, para pensar simplesmente, como parece natural, conforme aquilo que vejo e toco. Entretanto, não pode o conhecimento que vem da razão, por um instante, opor-se ao conhecimento sensível? Sem dúvida, as pessoas grosseiras que apelam somente para esse e desprezam aquele explicam-me o desdém em que caiu, pouco a pouco, tudo o que vem dos sentidos. Mas mesmo quando os mais sábios dos homens me tiverem ensinado que a luz é uma vibração, quando tiverem calculado para mim o comprimento de sua onda, seja qual for o fruto de seus trabalhos racionais, ainda assim não terão dado conta daquilo que me importa na luz, daquele pouco que meus olhos aprendem dela, daquilo que me diferencia do cego e que é matéria para milagre e não objeto de razão.
Há mais materialismo grosseiro do que se crê no tolo racionalismo humano. Esse medo do erro, que na evasão das minhas ideias tudo, a cada instante, me lembra, essa mania de controle faz com que o homem prefira a imaginação da razão á imaginação dos sentidos(...) Na verdade começo a experimentar em mim a consciência de que nem os sentidos, nem a razão podem- a não ser numa jogada de prestigiador - conceber-se separadamente, e que sem dúvida eles existem apenas funcionalmente(...) Compreende-se a luz apenas pela sombra ,e a verdade supõe o erro. São esses contrários misturados que povoam nossa vida, que lhe dão sabor e inebriamento.
Louis Aragon, 1926.
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