domingo, 4 de janeiro de 2015

Socialismo: arte livre

Não é nada fácil ficar de pé diante da avalanche reacionária que desce morro abaixo. Sabemos que a campanha de cretinização que o marxismo sofre não para nem nos feriados: a orquestração de informações produzidas por jornalistas e intelectuais bancados pelo capital, precisa enquanto necessidade ideológica da classe dominante, instalar-se na cabeça e no coração dos homens. Acontecimentos recentes, que nada mais são do que consequências fatídicas dos erros políticos daquilo que sobrou das burocracias socialistas, alimentam  a máquina capitalista: a reação enfurecida da Coreia do Norte contra a Sony, a repressão do governo chinês contra artistas e os aplausos que artistas e intelectuais cubanos estão dando diante da " abertura " política de Cuba. Nos três casos que rendem atualmente nos grandes veículos de comunicação do Brasil e do mundo inúmeros artigos anticomunistas, rege uma conclusão equivocada: no capitalismo a arte é livre enquanto que no socialismo a arte é dirigida e constantemente reprimida. Se os fatos culturais ocorridos na Coreia do Norte, na China e em Cuba parecem confirmar este raciocínio que tanto excita o intelectual burguês, devemos antes estabelecer 2 perguntas: será que estes países são realmente socialistas? Até que ponto o artista possui liberdade no sistema capitalista?
 Embalada pelo pronunciamento do presidente norte americano Barack Obama(ele afirmou que a Coreia do Norte não respeita a liberdade de expressão), a opinião pública internacional transforma em ícone cinematográfico(rs) a comédia hollywoodiana A Entrevista, longa metragem que ridiculariza o líder norte coreano Kim Jong-Un(o governo norte coreano chegou a fazer ameaças ao governo dos EUA). Já na China, o governo decidiu enviar artistas que não adequam-se aos " parâmetros estéticos " estabelecidos pelo Partido Comunista Chinês, para áreas rurais e assim inspirarem-se na vida campesina para criar uma arte que condiz com o regime. Este acontecimento que gera inevitavelmente comparações com a Revolução cultural(1966-1976) liderada por Mao Tsé Tung, condiz com um modelo de política cultural ainda preso ao zdanovismo, como pode ser comprovado no já célebre discurso do líder Xi Jinping, ocorrido em outubro do ano passado. Aliás, a China vive uma situação gozada: ao mesmo tempo em que existem relações capitalistas de produção, notamos ainda resquícios de um receituário estético afinado ao realismo socialista. Por fim, em Cuba, aonde a chamada abertura política mina aos poucos o governo socialista, escritores estouram rojões diante da oportunidade de um intercambio cultural com os EUA, ao mesmo tempo em que a indústria cultural ganha terreno através do investimento em multiplex. A inserção da economia capitalista pelo setor de serviços, pode trazer aos olhos  liberais autonomia para os artistas cubanos. Bem, então a associação entre socialismo e arte sempre rima com repressão? De qual modelo socialista estamos falando? Cuba, China e Coreia do Norte são expressões políticas da tese do socialismo em um só país. Este parentesco com o stalinismo gera inevitavelmente o isolamento político e a precariedade cultural. Cultuar líderes políticos e viver com fórmulas estéticas simplificadoras da expressão, são sintomas de Estados socialistas deformados. 
 Não se trata de menosprezar a contribuição política destes países: antes da Revolução chinesa de 1949, a China era constantemente saqueada pelo imperialismo e os chineses eram considerados na língua imperialista como os " homens doentes da Ásia ". Cuba antes da Revolução de 1959, sofria com a ditadura de Fugêncio Batista e era tida como um parque de diversões imperialista, no qual milionários norte americanos e mafiosos usavam e abusavam. Ambas as revoluções expulsaram estas formas de opressão de seu território nacional. Porém, ao ficarem circunscritas nos limites do nacionalismo, tais revoluções depararam-se com a pressão capitalista: os governos socialistas tornaram-se ainda mais duros e intolerantes do ponto de vista cultural e político. Após uma inicial fase de brilhantismo revolucionário, o cinema e a literatura cubana perderiam ao longo do tempo em ousadia e liberdade. Na China e por extensão na Coreia do Norte(com a qual a China possui laços políticos desde A Guerra da Coreia de 1950-53) observamos duas burocracias que incapazes de debater(sem recorrer ao uso da violência) com operários, camponeses, jovens e soldados, acabaram por importar o realismo socialista de proveniência soviética, minando a criatividade que poderia e muito colaborar com a construção do socialismo. 
O socialismo depende da arte para construir uma  nova cultura, sendo inadmissível que o artista seja um garoto de recados das medidas governamentais. Ao mesmo tempo, também é fato que a arte depende do socialismo para se desenvolver hoje:  submetido ao capital, o artista não possui autonomia para viver do seu ofício sem compactuar com os apelos comerciais da indústria cultural. A arte conivente com o sistema capitalista só pode gerar esterilidade através de espaços oficiais, prêmios, sucesso e uma somatória de vaidades que fortalecem o individualismo e a hierarquia entre aqueles que " vencem " e " perdem " no campo das artes. É preciso ressaltar que no capitalismo a liberdade pertence apenas aqueles que possuem poder econômico. Se em países como Cuba e China vários artistas não possuem simpatia pelo socialismo, isto deve-se a um modelo autoritário de socialismo, que não guarda nenhuma semelhança com a maneira como o marxismo entende as questões culturais. Portanto, uma renovação da arte depende de um novo socialismo. 


                                                                                         Afonso Machado     

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