As recentes pesquisas realizadas em torno do legado literário do escritor Graciliano Ramos, apresentam dados significativos para compreendermos mais desta obra que nunca sai do nosso horizonte estético-revolucionário. Graças á dupla de pesquisadores Lebensztayn e Thiago Mio Salla, foi encontrada uma entrevista fictícia que a extinta revista Novidade realizou em 1931 com o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva. Este documento, que já sustenta sua importância histórica ao ter como personagem o lendário Lampião, amplia seu significado cultural por ter sido escrito por ninguém menos que Graciliano Ramos(o escritor alagoano colaborava neste periódico). Tal amplitude revela-se numa escrita por onde brota a literatura engajada: apreendida enquanto forma literária, a entrevista( ironicamente apresentada enquanto acontecimento telepático) é uma crítica virulenta á uma sociedade injusta, na qual o bandidismo do cangaço é uma reação primitiva, transgressora. No texto o herói cangaceiro fala, dentro daquela tensa conjuntura de trinta, de questões polêmicas como os direitos de propriedade, a justiça, o sertão, os coronéis , etc. Nesta divertida entrevista em que Lampião chama o entrevistador de fuxiqueiro, notamos a expressão " o lampionismo em literatura ". É neste ponto que ameaça o bom mocismo nas letras ontem e hoje, que gostaríamos de nos deter agora: o bandidismo em literatura é um importante aliado político da esquerda.
Enquanto a literatura por assim dizer " oficial " e " de bom gosto " da atualidade procura se proteger " dos bandidos ", da face brutal que a miséria econômica assume, alguns poucos escritores falam do cotidiano violento de suas comunidades(estamos falando mais uma vez do escritor trabalhador). É este escritor o herdeiro de Graciliano, pois é nele que as preocupações sociais em literatura estão vivas.Num Brasil que procura hoje produzir modelos midiáticos que perpetuam o maniqueísmo entre mocinhos e bandidos, a entrevista literária de Graciliano a Lampião poderia soar folclórica, sendo quase que um deleite estético. Nada poderia ser mais avesso aos propósitos estéticos e políticos de Graciliano Ramos, que fez da sua escrita árida uma constante crítica á sociedade de classes.
Para quem deseja trilhar o caminho engajado de Graciliano, é preciso estar isento de idealismo literário: ao escrever sobre " o bandido ", seja o cangaceiro ontem, seja o criminoso urbano de hoje, seria totalmente reacionário inverter os papeis entre o bandido e o mocinho(afinal o cangaceiro tinha lá as suas relações com o coronelismo, do mesmo modo que o crime hoje é cúmplice do capital). O que a literatura de Graciliano nos ensina é que o bandido, assim como o sertanejo faminto, são contradições vivas da sociedade brasileira. Expor o bandido e os problemas sociais dentro do " bandidismo literário ", significa aqui atacar o Estado capitalista. Para fazer isso, o escritor tem que ter coragem: Graciliano, por exemplo, foi em cana em 1936, durante a perseguição de Vargas aos comunas. Bandidismo literário não é romantismo mas uma atitude realista que ameaça as leis " do bom gosto ".
Geraldo Vermelhão
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