domingo, 8 de junho de 2014

Do Romance Social " João Miguel ", de Rachel de Queiroz:


(...) João Miguel meteu a colher no prato e começou a mastigar lentamente, pensando. Filó ainda falou sobre o crime, expôs detalhes; e ele filosofou , enquanto engrossava com farinha o caldo ralo do feijão:
- Quando penso num homem como aquele cair na mesma desgraça que um de nós! De que serve ser rico, ter as coisas? Mais vale nunca ter sido nada!...
 Filó comentou incrédula  :
- Ora seu João, vá ver se ele vem pra cá e cai na mesma desgraça que um de nós...E, se vier, há de ser mesmo  porque não teve outro jeito,e sempre é de ser num quarto melhor, asseado, com sua boa rede e sua boa comida... Rico é sempre rico...
João Miguel abanava a cabeça, mastigando.
- Mesmo assim, Filó! Um homem de família, que aprendeu, dono de terra!
Ela riu:
- Você ainda é desse tempo, seu João? O Coronel Nonato começou como qualquer pé rapado... O finado meu pai dizia sempre de ver ele, em menino, tangendo uma carguinha de couro, da Conceição pra cá. Depois foi que enriqueceu, quando abriu a bodega...só de roubar a pobreza...
O preso ergueu a colher no ar:
- Qual deles é que não rouba?


                                                                           Rachel de Queiroz, 1932.

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