domingo, 28 de setembro de 2014

As relações libertárias entre Arte e Marxismo:

As relações entre arte e marxismo, precisam sair do lugar comum. Com isto quero dizer que a participação da criação artística, no processo de luta contra a sociedade capitalista, não é tão óbvia como muitos militantes supõem. Sem dúvida que perante as relações sociais estabelecidas, a arte possui uma função política, de contestação da ordem. No entanto, este papel político da arte só pode ser pensado a partir do campo estético: é pela lógica específica da arte, enquanto produto de uma necessidade interior, que ela responde politicamente contra o mundo regido pelo capital. Esta constatação que pressupõe o artista militante e o espaço para o debate estético nas organizações de esquerda,  geralmente é desprezada(quando não reprimida) diante do imediatismo, do mecanicismo e de generalizações ideologizantes. 
 É inevitável que o tratamento da arte segundo a ótica marxista, não deixe de repousar sobre o mesmo horizonte teórico de onde nasce a análise das outras esferas da vida social : o fenômeno artístico está condicionado pelas relações de produção determinadas pela divisão social do trabalho e pela visão de mundo que as classes sociais apresentam. Posto desta forma, a arte enquanto dimensão da superestrutura, trabalha para o fortalecimento da classe explorada e contribui para a luta política que levará ao fim da sociedade de classes. Pois bem, mesmo considerando estas inquestionáveis  premissas históricas, tudo indica que poucos militantes e artistas de esquerda compreendem a maneira particular da arte agir neste processo social. Se a arte não está fora do trabalho social, isto não implica em uma esquematização que leva a um tipo de rigidez que imobiliza a pesquisa artística: o universo da subjetividade e a sua interferência na realidade política, não está reduzido a uma relação mecânica do material com o imaterial. A experiência estética revolucionária não é mera correia de transmissão da ação política do partido revolucionário, mas uma força libertária que opõem-se á cultura da classe dominante. A oposição artística consiste em criar uma outra realidade, que nega pela dinâmica da forma os valores estabelecidos. A arte não se submete a um comando político externo que visa transformar em imagens os problemas sociais combatidos pelos partidos de esquerda. De fato, o que existe é um grande constrangimento intelectual entre aqueles que não compreendem a contribuição política revolucionária daquilo que não trata objetivamente dos fatos econômicos. 
 A maneira como a arte age sobre a realidade pode(e deve) abarcar enquanto assunto as desigualdades sociais; mas não como consequência ideológica imediata e sim enquanto filtro que, pela imaginação, gera as imagens conflitantes. Como frisou Marcuse, estas atuam pelo fortalecimento de uma nova subjetividade, de uma sensibilidade rebelde. Mas não aceitando aqui totalmente o ponto de vista do filósofo alemão(o qual desconsidera o papel histórico do proletariado), esta nova sensibilidade é construida por movimentos artísticos contestadores identificados com os interesses históricos da classe trabalhadora. Entretanto, a militância artística atua, como defendiam Trotski e Breton, de forma independente perante as organizações políticas de esquerda. Trata-se assim de um amplo movimento complementar entre política partidária, movimentos sociais e movimentos artísticos: todos estes ocupam espaços que reivindicam, em suas dinâmicas particulares, o fim do capitalismo. Atentos aqui à dinâmica plural dos movimentos artísticos, estes desafiam a moral e o gosto da classe dominante. Neste sentido a forma artística participa de um todo que nega ou entra em choque com a realidade dada. É a imaginação criadora que gera as obras de arte que não se reconciliam com o modo de produção capitalista. Esteticamente isto contempla um grande leque de manifestações e tendências que perfilam pela História contemporânea: de Diego Rivera a Bansky, de Frida Kahlo aos grafiteiros mais oníricos da atualidade. É a militância socialista que poderá impedir que a obra destes e de outros artistas seja neutralizada pela voracidade do capitalismo. 
  Ativando as forças da rebelião num campo em que eleições presidenciais ou disputas sindicais não ocupam, a arte consciente da sua missão histórica, atua paralelamente pela emancipação humana. É sob esta evidência que devemos mobilizar os jovens artistas e não reprimir, adiar ou subordinar sua criatividade ao dogmatismo que empobrece o pensamento marxista.


                                                                                  Afonso Machado


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