Abrindo o ciclo de filmes O que é Cinema Político? ,no Museu da Imagem e do Som de Campinas, exibiremos nesta noite de sábado(ás 19:30) A Greve, primeiro longa do cineasta Serguei Eisenstein. Não se trata apenas de uma das peças constituintes do cinema soviético, pois esta é uma obra que flagra os primórdios da construção da linguagem cinematográfica em conexão com o projeto político do socialismo. Cinema e classe operária são assim contextualizados na mesma dimensão revolucionária, sendo o elemento fílmico uma poderosa ferramenta para os trabalhadores organizarem o seu olhar sobre a sua própria identidade política de classe.
Este filme de 1924, contempla uma breve conjugação histórica entre arte de vanguarda e Revolução proletária. Produto direito do esforço cultural da primeira geração de artistas soviéticos, da qual Eisenstein é o cineasta exponencial, este filme pertence a um momento em que a construção da União Soviética coexistia com inovadoras pesquisas estéticas. Aqui o experimentalismo de vanguarda de proveniência construtivista associado ás formas populares de diversão como o circo, formam um todo poético cuja significação reside na solidificação da consciência política revolucionária do proletariado russo. Muito antes das cretinices policialescas de Zhdânov dissociar criatividade e liberdade na arte soviética, Eisenstein pautado na tese da Montagem de Atrações, nos lega uma importante linhagem do cinema político: o choque pela justaposição de imagens entre operários e burgueses, além da associação de situações e sensações com outros objetivos e situações(uma laranja exprimida é associada com a repressão policial contra trabalhadores ou um boi no matadouro associado ao massacre cometido contra a população) fazem da dialética o fio condutor para que o espectador participe mentalmente da montagem cinematográfica. Trata-se de uma clara demonstração de que o esforço didático não se subtraí diante da forma revolucionária da obra de arte.
A Greve aborda um acontecimento marcante na História da classe operária russa: em 1912 trabalhadores realizam uma greve em plena Rússia czarista, sendo o seu desfecho um dos maiores exemplos de brutalidade cometidos pela classe dominante russa(esta seria varrida diante dos futuros acontecimentos de outubro de 1917). Tomar este acontecimento para que o cinema contribua com a educação política do proletariado a partir de sua própria História, levou Eisenstein a criar o herói coletivo, completamente diferente do herói burguês do cinema hollywoodiano e também do herói do trabalho promovido pelo stalinismo a partir dos anos trinta. Para o cinema soviético contemporâneo do Construtivismo e do Proletkult os dilemas, as dificuldades e os problemas seriam resolvidos coletivamente pelo proletariado, o novo protagonista do cinema e da História. Situação distinta é a do herói do trabalho enquanto figura central do realismo socialista: nesta doutrina estética que colocaria fim á arte revolucionária soviética das décadas de dez e vinte, o verdadeiro herói seria o próprio Stálin, estabelecendo-se a propaganda política dos planos quinquenais e criando uma imagem do trabalhador russo digna do mais medíocre dos folhetins. Mas se o realismo socialista representa no plano estético a contra-revolução stalinista, o super herói capitalista de Hollywood se perpetuou numa intensidade muito maior: enquanto que nos dias de hoje a presença nefasta do realismo socialista é em grande parte coisa do passado, o herói capitalista reproduzido ás dúzias com Batman, Capitão América, Homem Aranha e outras expressões culturais do imperialismo norte americano, ainda envolve um adversário atual.
Para repensarmos o cinema político não podemos cair nas ciladas burguesas do cinemão, do pior convencionalismo artístico do qual muitos cineastas brasileiros de hoje caem constantemente. Nesta sentido Eisenstein ainda é uma referência indispensável para o cineasta militante do século XXI.
Afonso Machado
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