Mais um ano de luta! E olha que foi um ano difícil: sustentar a relação revolucionária entre arte e política quando o Brasil e o mundo mergulham no conservadorismo, não é uma tarefa fácil. Mas não tem outro remédio: é preciso participar da luta de classes, posicionando-se ao lado dos trabalhadores.
Estamos cientes de que num cenário político polarizado como o do Brasil atual, tratar do caráter político e da capacidade de intervenção da arte no desenvolvimento da consciência, acarreta numa tensão constante. A exemplo de tantos outros camaradas, estamos aptos para lidar com esta situação. Seja com textos analíticos, com textos de caráter literário, acreditamos que as edições do nosso boletim representam uma tentativa de fornecer munição estética para o front cultural. 2018 promete. Estaremos com a pena na mão para escrever sobre a libertação do homem. Voltaremos na segunda metade de janeiro.
segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
domingo, 3 de dezembro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 89
ARTE = IDEOLOGIA?
Só poderemos chegar a uma resposta satisfatória longe das deformações filosóficas do marxismo vulgar. Não existe arte fora da ideologia, mas é preciso compreender a maneira específica em que o estético expressa o ideológico.
A HISTÓRIA das sociedades humanas envolve: INFRAESTRUTURA / BASE ECONÔMICA e SUPERESTRUTURA. Formas jurídicas e políticas legitimam o poder das classes dominantes, proprietárias dos meios de produção. É o ESTADO quem cumpre este papel. A superestrutura revela formas definidas de consciência social, que podemos chamar de IDEOLOGIA. Enquanto componente da superestrutura, A ARTE faz parte da produção ideológica da sociedade, ou seja, enquanto experiência estética ela participa da construção de uma percepção em que o poder e os valores das classes dominantes surgem como algo natural e eterno. Mas como sabemos, a arte também pode ser uma arma contra a ideologia dominante, exprimindo as ideologias de classes dominadas.
A arte não é mero reflexo ideológico. É preciso compreender os fenômenos artísticos de acordo com mediações: as influências estéticas e a trajetória do artista, por exemplo, pesam sobre o significado das obras de arte.
A ARTE É FRUTO DE UMA NECESSIDADE INTERNA QUE POSSUI RELAÇÕES DIRETAS COM A PSICOLOGIA SOCIAL DE UMA ÉPOCA. A PRODUÇÃO ARTÍSTICA NÃO É DESCULPA PARA REFLETIR MERAS IDEOLOGIAS. PORÉM, A ARTE EXPRESSA AS IDEOLOGIAS DAS CLASSES SOCIAIS. CABE AO ARTISTA REALIZAR UMA OPÇÃO DE CLASSE. A ARTE EM SUA RELATIVA AUTONOMIA, NUNCA ESTÁ ACIMA DAS LUTAS SOCIAIS.
Só poderemos chegar a uma resposta satisfatória longe das deformações filosóficas do marxismo vulgar. Não existe arte fora da ideologia, mas é preciso compreender a maneira específica em que o estético expressa o ideológico.
A HISTÓRIA das sociedades humanas envolve: INFRAESTRUTURA / BASE ECONÔMICA e SUPERESTRUTURA. Formas jurídicas e políticas legitimam o poder das classes dominantes, proprietárias dos meios de produção. É o ESTADO quem cumpre este papel. A superestrutura revela formas definidas de consciência social, que podemos chamar de IDEOLOGIA. Enquanto componente da superestrutura, A ARTE faz parte da produção ideológica da sociedade, ou seja, enquanto experiência estética ela participa da construção de uma percepção em que o poder e os valores das classes dominantes surgem como algo natural e eterno. Mas como sabemos, a arte também pode ser uma arma contra a ideologia dominante, exprimindo as ideologias de classes dominadas.
A arte não é mero reflexo ideológico. É preciso compreender os fenômenos artísticos de acordo com mediações: as influências estéticas e a trajetória do artista, por exemplo, pesam sobre o significado das obras de arte.
A ARTE É FRUTO DE UMA NECESSIDADE INTERNA QUE POSSUI RELAÇÕES DIRETAS COM A PSICOLOGIA SOCIAL DE UMA ÉPOCA. A PRODUÇÃO ARTÍSTICA NÃO É DESCULPA PARA REFLETIR MERAS IDEOLOGIAS. PORÉM, A ARTE EXPRESSA AS IDEOLOGIAS DAS CLASSES SOCIAIS. CABE AO ARTISTA REALIZAR UMA OPÇÃO DE CLASSE. A ARTE EM SUA RELATIVA AUTONOMIA, NUNCA ESTÁ ACIMA DAS LUTAS SOCIAIS.
domingo, 26 de novembro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 88
Apresentamos A Poesia e o Horror, de Lenito.
" Os miolos coloridos dos tijolos abertos indecentemente sobre a construção, sugeriam muitas manhãs de horror
Prédios no chão
Gritos elétricos de gente torturada nos porões
Perseguição, chute na costela, olhos queimados e olhares furados como tristes bexigas
Trabalhadores açoitados na cara, no bolso, nas palavras sussurradas e intimidadas pelo mal hálito do imperialismo norte americano
Gente esmagada pelo apetite sem fim de uma burguesia devoradora de consciências
No Brasil, nos EUA e na Europa não se aprendeu nada sobre o século XX. Exploração, alienação , extermínio e pestes vindas do pelo de ratos capitalistas com potencial nucelar.
Com os punhos trancados e os mais belos horizontes na cuca, seguimos "
Lenito
" Os miolos coloridos dos tijolos abertos indecentemente sobre a construção, sugeriam muitas manhãs de horror
Prédios no chão
Gritos elétricos de gente torturada nos porões
Perseguição, chute na costela, olhos queimados e olhares furados como tristes bexigas
Trabalhadores açoitados na cara, no bolso, nas palavras sussurradas e intimidadas pelo mal hálito do imperialismo norte americano
Gente esmagada pelo apetite sem fim de uma burguesia devoradora de consciências
No Brasil, nos EUA e na Europa não se aprendeu nada sobre o século XX. Exploração, alienação , extermínio e pestes vindas do pelo de ratos capitalistas com potencial nucelar.
Com os punhos trancados e os mais belos horizontes na cuca, seguimos "
Lenito
domingo, 19 de novembro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 87
Certa feita Oswald de Andrade disse que o gênio é uma grande besteira. Ele estava certo: " VIVA A RAPAZIADA! ". Para que possamos mobilizar as energias da arte na luta contra a civilização capitalista, devemos desmistificar cânones da cultura dominante. Uma compreensão materialista da arte exige que a atividade estética seja entendida enquanto produção.
O ARTISTA MILITANTE É PRODUTOR
Abaixo o criador romântico !
Abaixo as cifras que escravizam a atividade artística!
Abaixo os especialistas que intimidam os artistas trabalhadores!
As atuais condições de produção artística permitem que palavras, imagens e sons sejam combinados, recombinados, articulados, sentidos sem qualquer tipo de hierarquia. Não é preciso pedir permissão a ninguém para produzir arte. A assertiva de conceber o artista enquanto produtor(visão esta que insere-se na tradição de autores como Bertolt Brecht e Walter Benjamin) está em disputa com os tentáculos da ideológicos da indústria cultural e do fundamentalismo religioso.
A crítica marxista deve armar ideologicamente os trabalhadores que produzem arte.
O ARTISTA MILITANTE É PRODUTOR
Abaixo o criador romântico !
Abaixo as cifras que escravizam a atividade artística!
Abaixo os especialistas que intimidam os artistas trabalhadores!
As atuais condições de produção artística permitem que palavras, imagens e sons sejam combinados, recombinados, articulados, sentidos sem qualquer tipo de hierarquia. Não é preciso pedir permissão a ninguém para produzir arte. A assertiva de conceber o artista enquanto produtor(visão esta que insere-se na tradição de autores como Bertolt Brecht e Walter Benjamin) está em disputa com os tentáculos da ideológicos da indústria cultural e do fundamentalismo religioso.
A crítica marxista deve armar ideologicamente os trabalhadores que produzem arte.
domingo, 12 de novembro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 86
Apresentamos Tempestade subjetiva, de Geraldo Vermelhão.
" A Operária 1 tinha um belíssimo jardim na sua mente. Ela desejava muito que o Operário 2, por quem estava apaixonada, pudesse junto com ela colher rosas com cheiro de sonho e sentir o brilho do sol que acariciava a pele. Este mesmo sol, o Operário 3 tentava a todo custo manter firme na sua cabeça raspada. Mas não era fácil: os 3 trabalhadores não conseguiam impedir com que suas belezas internas fossem afetadas por pontudos cacos de vidro e máquinas mal humoradas, que machucavam as mãos e processavam informações frias. A meta dos números, a fria quantidade do lucro do patrão sobre a qualidade da poesia, levantava uma ameaça real sobre o paraíso interno dos 3 operários.
No ponto de ônibus, após o expediente, lá estavam os 3 lanchando em pé e olhando para o nada. A Operária 1 tomava um café frio , o Operário 2 comia uma banana nanica e o Operário 3 saboreava um sanduíche recheado unicamente pela sua imaginação.Uma multidão de viciados rodeava a todos no ponto, implorando por moedas. No velho telhado de uma casa abandonada, um gato magro não tinha ânimo para tentar pegar uma pomba gorda. Foi quando os 3 trabalhadores começaram a ficar inquietos com a formação de uma tempestade: nuvens velozes mostravam os dentes enquanto relâmpagos fechavam os punhos pelo céu. Quando eles embarcaram, o céu do lado de fora de suas mentes continuava limpo, calmo e sem nuvens. A tempestade estava dentro deles ".
Geraldo Vermelhão
" A Operária 1 tinha um belíssimo jardim na sua mente. Ela desejava muito que o Operário 2, por quem estava apaixonada, pudesse junto com ela colher rosas com cheiro de sonho e sentir o brilho do sol que acariciava a pele. Este mesmo sol, o Operário 3 tentava a todo custo manter firme na sua cabeça raspada. Mas não era fácil: os 3 trabalhadores não conseguiam impedir com que suas belezas internas fossem afetadas por pontudos cacos de vidro e máquinas mal humoradas, que machucavam as mãos e processavam informações frias. A meta dos números, a fria quantidade do lucro do patrão sobre a qualidade da poesia, levantava uma ameaça real sobre o paraíso interno dos 3 operários.
No ponto de ônibus, após o expediente, lá estavam os 3 lanchando em pé e olhando para o nada. A Operária 1 tomava um café frio , o Operário 2 comia uma banana nanica e o Operário 3 saboreava um sanduíche recheado unicamente pela sua imaginação.Uma multidão de viciados rodeava a todos no ponto, implorando por moedas. No velho telhado de uma casa abandonada, um gato magro não tinha ânimo para tentar pegar uma pomba gorda. Foi quando os 3 trabalhadores começaram a ficar inquietos com a formação de uma tempestade: nuvens velozes mostravam os dentes enquanto relâmpagos fechavam os punhos pelo céu. Quando eles embarcaram, o céu do lado de fora de suas mentes continuava limpo, calmo e sem nuvens. A tempestade estava dentro deles ".
Geraldo Vermelhão
domingo, 5 de novembro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 85
Sabemos que no capitalismo a mão, a voz e todo suor não envolvem CRIAÇÃO. Acumular, lucrar, são as únicas palavras que justificam a produção artística na civilização burguesa. Podem até inventar mil desculpas em torno das noções de elevação cultural ou refinamento do gosto artístico, mas a grosso modo obras de arte são comprimidas no mesmo quadrado em que os trabalhadores vivem sem exercitar suas potencialidades criativas. Se a arte é TRANSFORMAÇÃO da realidade dada, trabalhadores e artistas devem ser definidos nos seguintes termos:
O ARTISTA É TRABALHADOR E TODO TRABALHADOR PODE SER ARTISTA.
Esta possibilidade histórica está intimamente ligada à necessidade de abolição do trabalho alienado. As condições subjetivas para que os trabalhadores se reconheçam como classe, passam necessariamente pela atividade estética; e insistimos mais uma vez que não se trata de mera propaganda política mas de fazer com que o trabalhador recobre suas potencialidades criativas. A tomada de consciência sobre os problemas da realidade, é um processo que também passa pela sensibilidade.
A arte livre desafia o capital.
O ARTISTA É TRABALHADOR E TODO TRABALHADOR PODE SER ARTISTA.
Esta possibilidade histórica está intimamente ligada à necessidade de abolição do trabalho alienado. As condições subjetivas para que os trabalhadores se reconheçam como classe, passam necessariamente pela atividade estética; e insistimos mais uma vez que não se trata de mera propaganda política mas de fazer com que o trabalhador recobre suas potencialidades criativas. A tomada de consciência sobre os problemas da realidade, é um processo que também passa pela sensibilidade.
A arte livre desafia o capital.
domingo, 29 de outubro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 84
Apresentamos Pintura que não é enfeite, de Marta Dinamite.
" Mário acordou com uma vontade danada de sair fazendo arte por aí. Ele, que já tinha realizando vários trampos como pintor de parede, arriscava-se em pintar seus desejos mais profundos, dando ouvidos aquela voz que chega no cangote e sugere: " Seja livre! ". Mas Mário raramente dava bola para esta voz. Ele, um trabalhador braçal, tantas vezes humilhado por patrões e gente endinheirada, achava-se mais parecido com um bicho da seda do que com um pintor. No entanto, naquela manhã de domingo, Mário decidiu criar.
Mário percorreu ruas, avenidas, bosques, pontos de ônibus e estações de metrô. O que pintar? Ele tinha tintas, pincel, spray e um desejo louco de colorir. Colorir simplesmente? Não, talvez não fosse apenas colorir. Ele queria usar as cores mas não para enfeitar. O que ele tinha em mente era fazer com que o vermelho, o amarelo, o azul e o verde acordassem pra valer a cidade. Não, ele não estava afim de fazer da cidade um simples embrulho pra presente. Qual seria o objetivo de enfeitar tanto sofrimento esparramado?
A cidade de Mário estava forrada de tragédias: gente maltrapilha, crianças com fome, nóias e mais nóias a cada quarteirão. Mário ainda não sabia bem o que fazer. O jovem artista Mário passou um tempão da sua vida produzindo mercadorias em fábricas. E era cada mercadoria bonita! Mas ele não se reconhecia naquilo, era como se o seu rosto sumisse no reflexo do espelho. Um vampiro, pois é, Mário sentiu-se como um vampiro que mal tinha grana para tomar sangue, cerveja e até guaraná. Depois, como já dito, Mário foi pintor de parede. Mas agora era ele quem escolhia as cores e pensava as formas do que ele iria finalmente CRIAR. E lá foi ele, sem medo, com energia, como se fosse cumprir uma missão vital para a cidade: naquele domingo, Mário saiu para pintar. Não eram imagens bonitas. Ninguém iria paga-lo. Provavelmente ele seria mais uma vez ridicularizado pelos ricos. No fim daquele mesmo dia, porém, quando o sol cuspia sombras nas praças, um casal de operários parou e olhou para uma parede que continha desenhos de Mário. Era como se aquele casal encontrasse seus rostos cansados num espelho ".
Marta Dinamite
" Mário acordou com uma vontade danada de sair fazendo arte por aí. Ele, que já tinha realizando vários trampos como pintor de parede, arriscava-se em pintar seus desejos mais profundos, dando ouvidos aquela voz que chega no cangote e sugere: " Seja livre! ". Mas Mário raramente dava bola para esta voz. Ele, um trabalhador braçal, tantas vezes humilhado por patrões e gente endinheirada, achava-se mais parecido com um bicho da seda do que com um pintor. No entanto, naquela manhã de domingo, Mário decidiu criar.
Mário percorreu ruas, avenidas, bosques, pontos de ônibus e estações de metrô. O que pintar? Ele tinha tintas, pincel, spray e um desejo louco de colorir. Colorir simplesmente? Não, talvez não fosse apenas colorir. Ele queria usar as cores mas não para enfeitar. O que ele tinha em mente era fazer com que o vermelho, o amarelo, o azul e o verde acordassem pra valer a cidade. Não, ele não estava afim de fazer da cidade um simples embrulho pra presente. Qual seria o objetivo de enfeitar tanto sofrimento esparramado?
A cidade de Mário estava forrada de tragédias: gente maltrapilha, crianças com fome, nóias e mais nóias a cada quarteirão. Mário ainda não sabia bem o que fazer. O jovem artista Mário passou um tempão da sua vida produzindo mercadorias em fábricas. E era cada mercadoria bonita! Mas ele não se reconhecia naquilo, era como se o seu rosto sumisse no reflexo do espelho. Um vampiro, pois é, Mário sentiu-se como um vampiro que mal tinha grana para tomar sangue, cerveja e até guaraná. Depois, como já dito, Mário foi pintor de parede. Mas agora era ele quem escolhia as cores e pensava as formas do que ele iria finalmente CRIAR. E lá foi ele, sem medo, com energia, como se fosse cumprir uma missão vital para a cidade: naquele domingo, Mário saiu para pintar. Não eram imagens bonitas. Ninguém iria paga-lo. Provavelmente ele seria mais uma vez ridicularizado pelos ricos. No fim daquele mesmo dia, porém, quando o sol cuspia sombras nas praças, um casal de operários parou e olhou para uma parede que continha desenhos de Mário. Era como se aquele casal encontrasse seus rostos cansados num espelho ".
Marta Dinamite
domingo, 22 de outubro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 83
A verdadeira ARTE dos nossos dias é necessariamente ANTICAPITALISTA.Não se trata de mero pretexto ideológico. Nossa afirmação baseia-se em evidências históricas: já faz tempo que a civilização burguesa esgotou as possibilidades para o desenvolvimento da cultura.
Tirando aqueles que alimentam a indústria cultural e os espaços da cultura dominante, os artistas tendem a assumir uma posição política contestadora.
QUEM LUTA POR UMA ARTE LIVRE, LUTA CONTRA O SISTEMA CAPITALISTA. A arte de hoje deve, a partir das próprias leis da arte, exprimir o ponto de vista do PROLETARIADO.
Tirando aqueles que alimentam a indústria cultural e os espaços da cultura dominante, os artistas tendem a assumir uma posição política contestadora.
QUEM LUTA POR UMA ARTE LIVRE, LUTA CONTRA O SISTEMA CAPITALISTA. A arte de hoje deve, a partir das próprias leis da arte, exprimir o ponto de vista do PROLETARIADO.
domingo, 15 de outubro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 82
Em tempos de conservadorismo político as perdas também são culturais. Existe no Brasil um clima de intimidação, uma atmosfera de hostilidade frente às atividades de muitos artistas. Neste contexto o próprio entendimento da arte é prejudicado: poucos se perguntam sobre o sentido da criação, sobre o significado da atividade estética. O pensamento marxista ainda fornece uma sólida explicação que não se propõe a ser um carimbo colocado sobre obras de arte; trata-se na realidade de compreender corretamente uma forma superior de trabalho que podemos designar por arte.
Como já frisamos aqui em outras edições, a arte é fruto de uma necessidade: a necessidade de expressão/afirmação humana. Tal necessidade desenvolveu-se historicamente a partir do trabalho, ou seja, a capacidade do homem de transformar a natureza de acordo com suas necessidades e interesses. É portanto no processo de humanização da natureza, na criação de objetos humanos/e humanizados, que a dimensão estética coloca-se como uma existência sensual, um estado de liberdade. Porém, com a divisão social do trabalho a arte alienou-se do próprio homem: a arte torna-se um instrumento ideológico nas mãos das classes dominantes em vários momentos da história das civilizações. Especificamente na era capitalista, quando o recurso ideológico da religião perde espaço no condicionamento da obra de arte(o papel preponderante da religião na criação artística, encontra-se em grande parte na Antiguidade e no período medieval) , a arte modifica seu sentido social. Se por um lado a arte torna-se uma mercadoria, por outro, ela integra-se ao mundo laico: a política é o destino da arte no mundo contemporâneo. O próprio ato de criar e reconhecer-se na arte choca-se com o trabalho do operário na indústria: a arte pode, portanto, agir sobre a consciência do trabalhador e ser um elemento vital na luta contra a alienação.
Estas evidências históricas( que revelam a necessidade de politização da arte a partir da ótica do proletariado, ou seja, a classe que deve herdar a história da cultura e devolver o sentido social/coletivo da produção artística) foram explicadas por autores como Walter Benjamin e Mário Pedrosa, quer dizer, autores que se inserem naquilo que de mais avançado a crítica marxista apresentou no campo da Estética. No entanto, quando afirmamos e defendemos que a arte possui um papel político revolucionário hoje, não estamos reduzindo a arte ao tema político mais imediato: a arte, fenômeno que enriquece a sensibilidade e o pensamento, precisa tratar de uma infinidade de temas e assuntos. O que fazemos questão de frisar é que sendo a arte a negação do trabalho alienado, ela precisa colocar-se como aliada dos trabalhadores. Enquanto que a indústria cultural procura integrar a arte ao sistema capitalista(o capitalismo produz a falsa consciência), a esquerda deve fazer da arte uma força dissidente, uma forma de oposição.
Como já frisamos aqui em outras edições, a arte é fruto de uma necessidade: a necessidade de expressão/afirmação humana. Tal necessidade desenvolveu-se historicamente a partir do trabalho, ou seja, a capacidade do homem de transformar a natureza de acordo com suas necessidades e interesses. É portanto no processo de humanização da natureza, na criação de objetos humanos/e humanizados, que a dimensão estética coloca-se como uma existência sensual, um estado de liberdade. Porém, com a divisão social do trabalho a arte alienou-se do próprio homem: a arte torna-se um instrumento ideológico nas mãos das classes dominantes em vários momentos da história das civilizações. Especificamente na era capitalista, quando o recurso ideológico da religião perde espaço no condicionamento da obra de arte(o papel preponderante da religião na criação artística, encontra-se em grande parte na Antiguidade e no período medieval) , a arte modifica seu sentido social. Se por um lado a arte torna-se uma mercadoria, por outro, ela integra-se ao mundo laico: a política é o destino da arte no mundo contemporâneo. O próprio ato de criar e reconhecer-se na arte choca-se com o trabalho do operário na indústria: a arte pode, portanto, agir sobre a consciência do trabalhador e ser um elemento vital na luta contra a alienação.
Estas evidências históricas( que revelam a necessidade de politização da arte a partir da ótica do proletariado, ou seja, a classe que deve herdar a história da cultura e devolver o sentido social/coletivo da produção artística) foram explicadas por autores como Walter Benjamin e Mário Pedrosa, quer dizer, autores que se inserem naquilo que de mais avançado a crítica marxista apresentou no campo da Estética. No entanto, quando afirmamos e defendemos que a arte possui um papel político revolucionário hoje, não estamos reduzindo a arte ao tema político mais imediato: a arte, fenômeno que enriquece a sensibilidade e o pensamento, precisa tratar de uma infinidade de temas e assuntos. O que fazemos questão de frisar é que sendo a arte a negação do trabalho alienado, ela precisa colocar-se como aliada dos trabalhadores. Enquanto que a indústria cultural procura integrar a arte ao sistema capitalista(o capitalismo produz a falsa consciência), a esquerda deve fazer da arte uma força dissidente, uma forma de oposição.
domingo, 8 de outubro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 81
Apresentamos A Poeira na beira da estrada, de José Ferroso
" Um sol ardido, daqueles que faz passarinho nunca mais piar, queimava sem dó o asfalto. Um pequeno grupo de trabalhadores aguardava por um caminhão na beira da estrada: tiveram que ir para outra cidade, já que a fábrica fechou. Alguns tinham esperança de conseguir arranjar emprego numa fazenda qualquer. Mas era inútil. O velho Jeremias dizia:
- Larga a mão de ser esperançoso abestalhado. Num tem serviço! As máquina nas fazenda faz melhor que nois tudo junto!
O moço Waldemar, completa as palavras do velho:
- E inda tem mais: máquina num tem filho pequeno, num tem direitos... Quando quebra é só jogá fora.
A viúva Marcelina acrescenta:
- Só que nois também somo jogado fora: nas fabrica, nas fazenda, nas loja, nas cozinha. Coração de rico bate só por dinheiro.
As pessoas ali paradas estavam cansadas: as pernas doíam de tanto esperar. Jeremias descascava uma laranja com seu canivete enferrujado. Duas crianças olhavam assustadas para o cadáver de um cachorro que um carro pegou na pista. E o sol, e o sol... As pessoas sentiam que estavam secando. A poeira da estrada atingia os olhos, entrava pelo nariz, trazia pedrinhas minúsculas para dentro das bocas famintas. Será que esta poeira toda impedirá com que eles consigam olhar para o futuro? Waldemar olha para o céu e torce por uma tempestade. "
José Ferroso
" Um sol ardido, daqueles que faz passarinho nunca mais piar, queimava sem dó o asfalto. Um pequeno grupo de trabalhadores aguardava por um caminhão na beira da estrada: tiveram que ir para outra cidade, já que a fábrica fechou. Alguns tinham esperança de conseguir arranjar emprego numa fazenda qualquer. Mas era inútil. O velho Jeremias dizia:
- Larga a mão de ser esperançoso abestalhado. Num tem serviço! As máquina nas fazenda faz melhor que nois tudo junto!
O moço Waldemar, completa as palavras do velho:
- E inda tem mais: máquina num tem filho pequeno, num tem direitos... Quando quebra é só jogá fora.
A viúva Marcelina acrescenta:
- Só que nois também somo jogado fora: nas fabrica, nas fazenda, nas loja, nas cozinha. Coração de rico bate só por dinheiro.
As pessoas ali paradas estavam cansadas: as pernas doíam de tanto esperar. Jeremias descascava uma laranja com seu canivete enferrujado. Duas crianças olhavam assustadas para o cadáver de um cachorro que um carro pegou na pista. E o sol, e o sol... As pessoas sentiam que estavam secando. A poeira da estrada atingia os olhos, entrava pelo nariz, trazia pedrinhas minúsculas para dentro das bocas famintas. Será que esta poeira toda impedirá com que eles consigam olhar para o futuro? Waldemar olha para o céu e torce por uma tempestade. "
José Ferroso
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 80
Apresentamos A Goteira e a Consciência, de Geraldo Vermelhão
" Ele acordou com as gotas geladas que caiam sobre seu rosto magro. Ela já estava de pé, preparando um café ralo que dói. Uma segunda feira que começa às 3:30 h da madrugada é um dos piores xingamentos que a vida poderia dar a um casal de trabalhadores. A vida? Por que será que tudo precisa doer no corpo? Sono, gripe, noites mal dormidas, fila de hospital e um salário que mal dá para o leite em pó do filho pequeno.
Ele pegou rapidamente um balde, colocou sobre o leito que não passava de um colchão rasgado, com a espuma saltando pra fora. Conforme as gotas caiam de um modo hostil sobre o balde, ele e ela ficaram olhando para o colchão. Não era propriamente um ninho de amor, mas o casal de operários já tinha se amado sinceramente(e loucamente) naquele colchão. Entretanto, naquela madrugada, aquilo não se parecia com um colchão: aquilo era um objeto machucado e retorcido, assim como o corpo deles. Mesmo que economizassem por alguns meses, de que adiantaria comprar outro colchão, se os corpos cansados, carentes de energia,não passavam de um velho colchão? Qual seria o futuro da criança, que dormia sob um amontoado de retalhos e que cresceria antes que os pais conseguissem dinheiro para comprar um berço? Alguma coisa precisaria ser feita. No final da tarde daquele dia, companheiros de trabalho do casal iriam se reunir para discutir o futuro da categoria. O casal foi, despertado pela goteira do telhado. "
Geraldo Vermelhão
" Ele acordou com as gotas geladas que caiam sobre seu rosto magro. Ela já estava de pé, preparando um café ralo que dói. Uma segunda feira que começa às 3:30 h da madrugada é um dos piores xingamentos que a vida poderia dar a um casal de trabalhadores. A vida? Por que será que tudo precisa doer no corpo? Sono, gripe, noites mal dormidas, fila de hospital e um salário que mal dá para o leite em pó do filho pequeno.
Ele pegou rapidamente um balde, colocou sobre o leito que não passava de um colchão rasgado, com a espuma saltando pra fora. Conforme as gotas caiam de um modo hostil sobre o balde, ele e ela ficaram olhando para o colchão. Não era propriamente um ninho de amor, mas o casal de operários já tinha se amado sinceramente(e loucamente) naquele colchão. Entretanto, naquela madrugada, aquilo não se parecia com um colchão: aquilo era um objeto machucado e retorcido, assim como o corpo deles. Mesmo que economizassem por alguns meses, de que adiantaria comprar outro colchão, se os corpos cansados, carentes de energia,não passavam de um velho colchão? Qual seria o futuro da criança, que dormia sob um amontoado de retalhos e que cresceria antes que os pais conseguissem dinheiro para comprar um berço? Alguma coisa precisaria ser feita. No final da tarde daquele dia, companheiros de trabalho do casal iriam se reunir para discutir o futuro da categoria. O casal foi, despertado pela goteira do telhado. "
Geraldo Vermelhão
terça-feira, 26 de setembro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 79
De que adianta o uso da tinta sem a cor da transformação? De que vale a palavra sem poesia, sem energia, desprovida de vontade política? A poesia e a política , a arte e a revolução, possuem uma profunda conexão histórica.
Não existe consciência de classe fora da imagem. Não existe luta política fora da percepção estética. Em períodos de conservadorismo político, o mascaramento ideológico parece prevalecer. Porém, a arte que se faz como espelho ou martelo, tende a abalar a ideologia dominante. No Brasil de hoje, é necessário que artistas e intelectuais assumam suas posições no front da cultura.
Não existe consciência de classe fora da imagem. Não existe luta política fora da percepção estética. Em períodos de conservadorismo político, o mascaramento ideológico parece prevalecer. Porém, a arte que se faz como espelho ou martelo, tende a abalar a ideologia dominante. No Brasil de hoje, é necessário que artistas e intelectuais assumam suas posições no front da cultura.
terça-feira, 19 de setembro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 78
A OUSADIA DA CRIAÇÃO COLOCA O ARTISTA NA CONDIÇÃO DE MILITANTE. A ARTE HOJE É INTERVENÇÃO QUE VISA CONFRONTAR, NO PLANO DA PERCEPÇÃO, A IDEOLOGIA DA CLASSE DOMINANTE.
ENQUANTO ESTRATEGISTA DA CULTURA, O ARTISTA NÃO PODE SE INTIMIDAR DIANTE DAS FORÇAS CONSERVADORAS DO PAÍS. O ARTISTA DEVE SINCERAMENTE APROXIMAR-SE DOS TRABALHADORES PARA REPRESENTAR SEUS PROBLEMAS E AFLIÇÕES.
O CAPITALISMO TRAZ A FALSA CONSCIÊNCIA. A ARTE DEVE DESPERTAR UMA NOVA CONSCIÊNCIA.
ENQUANTO ESTRATEGISTA DA CULTURA, O ARTISTA NÃO PODE SE INTIMIDAR DIANTE DAS FORÇAS CONSERVADORAS DO PAÍS. O ARTISTA DEVE SINCERAMENTE APROXIMAR-SE DOS TRABALHADORES PARA REPRESENTAR SEUS PROBLEMAS E AFLIÇÕES.
O CAPITALISMO TRAZ A FALSA CONSCIÊNCIA. A ARTE DEVE DESPERTAR UMA NOVA CONSCIÊNCIA.
segunda-feira, 11 de setembro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 77
Se a Direita ganha força e procura conter " as locomotivas da história ", a Esquerda precisa reorganizar suas ações. Uma enxurrada de chavões maniqueístas resume os esforços dos setores reacionários: tenta-se intimidar a crítica marxista com caricaturas, com pretensos funerais filosóficos. Num quadro histórico em que tomar partido diante de problemas graves( tais como a crescente miséria no Brasil e no mundo) tornou-se crime, acreditamos que os militantes da cultura devem insistir na crítica quanto aos fundamentos econômicos da realidade; e arte é um contexto privilegiado na crítica/combate ao sistema capitalista.
Captando as contradições, revelando o que as fantasmagorias da ideologia dominante ocultam, as obras de arte empenhadas na denúncia social, propiciam distanciamento frente a um mundo movido pela competição, pelo lucro obtido às custas dos trabalhadores. Tais afirmações, feitas inúmeras outras vezes neste blog(ser repetitivo aqui é uma necessidade na guerra ideológica), apoiam-se no seguinte fato: se o capitalismo é a falsa consciência, a arte que participa das lutas pela libertação do homem, transforma a sua consciência.
Captando as contradições, revelando o que as fantasmagorias da ideologia dominante ocultam, as obras de arte empenhadas na denúncia social, propiciam distanciamento frente a um mundo movido pela competição, pelo lucro obtido às custas dos trabalhadores. Tais afirmações, feitas inúmeras outras vezes neste blog(ser repetitivo aqui é uma necessidade na guerra ideológica), apoiam-se no seguinte fato: se o capitalismo é a falsa consciência, a arte que participa das lutas pela libertação do homem, transforma a sua consciência.
segunda-feira, 4 de setembro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 76
Apresentamos Caminho e suor, de Lenito.
" Um trabalhador seguia a pé pela estrada de ferro. Com 82 anos de idade, ele impulsionava a cada passo lembranças que pesam como o sol do meio dia. Aquela estrada interiorana, dos cafundós do Estado de São Paulo, não era a mesma: quando o trilho treme anunciando um trem que já vem, o velho trabalhador sai da estrada, vai para dentro da mata e espera para ver apenas trens cargueiros. O homem olha para a fábrica de farinha abandonada. Fita com um riso invisível dois garotos empinando uma pipa num barranco sujo, no qual a poeira da estiagem voa preguiçosamente na paisagem seca .
As lembranças do trabalhador estão documentadas nas suas velhas mãos: são mãos de quem trabalhou a vida inteira, nos mais diversos expedientes. A mão é o registro de quem produziu muito e não ganhou nada. Aliás, suas mãos contrastam com o estômago vazio: mãos que produziram, um estômago que ao longo da vida recebeu pouca comida.
Cansado da caminhada, ele senta embaixo de um pé de jabuticaba. Ele queria era que alguém explicasse a ele por que a vida teve que ser assim. "
Lenito
" Um trabalhador seguia a pé pela estrada de ferro. Com 82 anos de idade, ele impulsionava a cada passo lembranças que pesam como o sol do meio dia. Aquela estrada interiorana, dos cafundós do Estado de São Paulo, não era a mesma: quando o trilho treme anunciando um trem que já vem, o velho trabalhador sai da estrada, vai para dentro da mata e espera para ver apenas trens cargueiros. O homem olha para a fábrica de farinha abandonada. Fita com um riso invisível dois garotos empinando uma pipa num barranco sujo, no qual a poeira da estiagem voa preguiçosamente na paisagem seca .
As lembranças do trabalhador estão documentadas nas suas velhas mãos: são mãos de quem trabalhou a vida inteira, nos mais diversos expedientes. A mão é o registro de quem produziu muito e não ganhou nada. Aliás, suas mãos contrastam com o estômago vazio: mãos que produziram, um estômago que ao longo da vida recebeu pouca comida.
Cansado da caminhada, ele senta embaixo de um pé de jabuticaba. Ele queria era que alguém explicasse a ele por que a vida teve que ser assim. "
Lenito
segunda-feira, 28 de agosto de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 75
É preciso ter cuidado para que a caricatura que os intelectuais reacionários constroem, não contagie o trabalho dos militantes da cultura. Trata-se daquela imagem equivocada em que pensadores e artistas de esquerda estariam preocupados em valorizar somente obras de arte que apresentam o tema das lutas da classe trabalhadora. Que fique registrado: quem padroniza, avilta, reprime e reproduz o mais do mesmo em matéria de arte, é a indústria cultural. O marxismo possui uma visão distinta do empobrecimento espiritual imposto sobre a percepção das massas.
Obviamente por razões políticas, a crítica marxista tende a privilegiar obras e artistas que permitem compreender as contradições sociais de uma época. Isto nem sempre significa valorizar trabalhos de artistas e escritores comunistas. O caso do escritor Balzac é sempre muito oportuno: Marx e Engels consideravam o realismo se Balzac, autor politicamente conservador, como sendo da maior importância para compreender a sociedade francesa do período. A crítica marxista analisa a arte como um todo e tende naturalmente a valorizar propostas artísticas que apontem para a emancipação humana(portanto obras de um acentuado caráter anticapitalista).
Obras de arte contribuem com a crítica e a denúncia da classe dominante, de muitas formas. Não é verdade que somente poemas, romances, pinturas, filmes e peças de teatro que abordem o sofrimento do proletariado e suas lutas, que são revolucionárias. Mesmo sem pronunciar a palavra socialismo, um poeta pode contribuir muito mais com a luta socialista do que poetas tagarelas que vivem falando em ideias socialistas.
Obviamente por razões políticas, a crítica marxista tende a privilegiar obras e artistas que permitem compreender as contradições sociais de uma época. Isto nem sempre significa valorizar trabalhos de artistas e escritores comunistas. O caso do escritor Balzac é sempre muito oportuno: Marx e Engels consideravam o realismo se Balzac, autor politicamente conservador, como sendo da maior importância para compreender a sociedade francesa do período. A crítica marxista analisa a arte como um todo e tende naturalmente a valorizar propostas artísticas que apontem para a emancipação humana(portanto obras de um acentuado caráter anticapitalista).
Obras de arte contribuem com a crítica e a denúncia da classe dominante, de muitas formas. Não é verdade que somente poemas, romances, pinturas, filmes e peças de teatro que abordem o sofrimento do proletariado e suas lutas, que são revolucionárias. Mesmo sem pronunciar a palavra socialismo, um poeta pode contribuir muito mais com a luta socialista do que poetas tagarelas que vivem falando em ideias socialistas.
segunda-feira, 21 de agosto de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 74
REALIZAMOS POR MEIO DESTE BLOG A CAMPANHA POR UMA LITERATURA REVOLUCIONÁRIA. Existem razões históricas para isto: a extrema direita e os conservadores como um todo procuram, nos campos nacional e internacional, intimidar as formas de crítica e resistência anticapitalista. Acreditamos que a literatura e a arte de um modo geral, são vitais para que a classe trabalhadora adquira consciência política. Não se trata da submissão da arte a um determinado órgão de poder. Não se trata de defender um único modelo estético. Não se trata de criar obras de arte que coloquem o trabalhador numa posição passiva. O que defendemos é que a independência e a pesquisa estética, são pressupostos para que os trabalhadores criem uma literatura de combate. Nosso desafio é contribuir para que a palavra escrita seja entendida como ferramenta libertadora: devemos contribuir com a formação de leitores trabalhadores. Devemos fazer com que a literatura faça parte do cotidiano do proletariado. Escrever é lutar.
domingo, 6 de agosto de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 73
Apresentamos Relato de mercado, de Geraldo Vermelhão.
" Os mercados municipais espalhados pelas cidades do Brasil, são espaços de vitalidade cultural. Nestes locais encontramos ar cores, os relatos, as brincadeiras e a vida popular pulsando sem olhares gelados, abuso imperialista e gente fabricada nas fotocopiadoras da cultura burguesa. Lá no mercado a rapadura é palpável, a cachaça engasga o gato e as vassouras limpam as falas mecânicas da educação colonizada que as massas recebem. Ninguém aqui é besta para afirmar que se trata de um território sem alienação, sem tristezas, sem dores. Mas diferentemente de muitos espaços, encontramos a vida sem enfeites padronizados.
A água jogada sobre as verduras desce e requebra pelo paralelepípedo até berrar no ralo. Um galinho garnizé está sendo vendido para dois meninos descalços. Perto do açougue, um velho fuma seu cigarro de corda: seus olhos comidos pela catarata, sonham modas de viola que foram sugadas pelos anos do mercado. Por entre os corredores garotos famintos perambulam, dando licença para homens que carregam pesadas caixas contendo bananas e jabuticabas. Uma jabuticaba rolou para fora da caixa: um menino viu, correu para pegar, mas ela rolou escadaria abaixo. O mesmo menino olha o cachorro que mastiga tristemente um pedaço de pastel de carne que alguém deixou cair. O cachorro teve mais sorte.
No boteco do mercado, homens cansados e malandros que fazem samba com caixinhas de fósforo, conversam sobre futebol. Duas moças acompanham nos pés e nos quadris o samba que três rapazes fazem próximo ao balcão. Um cheiro de pimenta definia os olhos cheios de sexo. Abaixo da prateleira, em que repousam as garrafas de cachaça com antigos rótulos misteriosos, um homem inconformado exclama:
- Já carreguei laranja, já carreguei café, já carreguei cana e não tenho como pagar o ônibus. Já carreguei de tudo nos ombros mas num tem nada para me carregar!
Um peixe embrulhado é entregue a uma senhora que tirou o dinheiro de um bolsa de couro muito antiga. O cheiro do peixe mistura-se com o cheiro de pedras perfumadas. O peixe fedia menos do que a paisagem. Seu olho parado, seu olho morto, congelava aquela tarde em que um jornal atirado ao vendo informava o alto número de desempregados no país. "
Gerado Vermelhão
" Os mercados municipais espalhados pelas cidades do Brasil, são espaços de vitalidade cultural. Nestes locais encontramos ar cores, os relatos, as brincadeiras e a vida popular pulsando sem olhares gelados, abuso imperialista e gente fabricada nas fotocopiadoras da cultura burguesa. Lá no mercado a rapadura é palpável, a cachaça engasga o gato e as vassouras limpam as falas mecânicas da educação colonizada que as massas recebem. Ninguém aqui é besta para afirmar que se trata de um território sem alienação, sem tristezas, sem dores. Mas diferentemente de muitos espaços, encontramos a vida sem enfeites padronizados.
A água jogada sobre as verduras desce e requebra pelo paralelepípedo até berrar no ralo. Um galinho garnizé está sendo vendido para dois meninos descalços. Perto do açougue, um velho fuma seu cigarro de corda: seus olhos comidos pela catarata, sonham modas de viola que foram sugadas pelos anos do mercado. Por entre os corredores garotos famintos perambulam, dando licença para homens que carregam pesadas caixas contendo bananas e jabuticabas. Uma jabuticaba rolou para fora da caixa: um menino viu, correu para pegar, mas ela rolou escadaria abaixo. O mesmo menino olha o cachorro que mastiga tristemente um pedaço de pastel de carne que alguém deixou cair. O cachorro teve mais sorte.
No boteco do mercado, homens cansados e malandros que fazem samba com caixinhas de fósforo, conversam sobre futebol. Duas moças acompanham nos pés e nos quadris o samba que três rapazes fazem próximo ao balcão. Um cheiro de pimenta definia os olhos cheios de sexo. Abaixo da prateleira, em que repousam as garrafas de cachaça com antigos rótulos misteriosos, um homem inconformado exclama:
- Já carreguei laranja, já carreguei café, já carreguei cana e não tenho como pagar o ônibus. Já carreguei de tudo nos ombros mas num tem nada para me carregar!
Um peixe embrulhado é entregue a uma senhora que tirou o dinheiro de um bolsa de couro muito antiga. O cheiro do peixe mistura-se com o cheiro de pedras perfumadas. O peixe fedia menos do que a paisagem. Seu olho parado, seu olho morto, congelava aquela tarde em que um jornal atirado ao vendo informava o alto número de desempregados no país. "
Gerado Vermelhão
domingo, 30 de julho de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 72
Bater na mesma tecla: para um militante não existe constrangimento nenhum em insistir nisso; em fazer com que a tecla do piano emita o som que desperte ou que a tecla do computador revele a palavra necessária para agir na consciência do leitor operário.A crise na direção política da esquerda brasileira é o problema central na organização da classe trabalhadora. Esta é uma questão fundamentalmente organizacional, partidária. Entretanto, existe uma outra questão que embora seja parte do mesmo problema, exige resoluções militantes específicas no campo da cultura.
Um número surpreendentemente grande de trabalhadores brasileiros, desconhece a história do movimento operário brasileiro e internacional. Não reconhecendo, por exemplo, os símbolos, as imagens e a linguagem inaugurada pela Revolução russa de 1917, os trabalhadores torna-se desprovidos de referências históricas para sua luta hoje. O desconhecimento histórico soma-se assim com a ausência de instrumentos teóricos para que os trabalhadores possam analisar as causas objetivas que explicam sua pobreza, suas dificuldades. E o que a militância cultural, a ser devidamente ampliada/potencializada no seio do proletariado, teria propriamente a ver com isso?
Se no Brasil de hoje a direita ganhou uma tremenda força política, é porque muitos trabalhadores não entendem que fazem parte de uma classe, e que portanto possuem um projeto político distinto dos interesses econômicos da classe dominante. Obvio demais? Nem tanto! Um trabalho cultural que visa colocar em circulação imagens e narrativas revolucionárias, coloca-se como um primeiro(e longo...) passo para reatar estéticas combativas com o coração e a mente do povo. Bater na mesma tecla significa em termos culturais estar sempre pronto para retomar(e corrigir, reavaliar) as estratégias necessárias para contribuir com o movimento político dos trabalhadores. Em termos literários e artísticos em geral, continuaremos a tentar espalhar palavras e imagens que devem encontrar-se com os rumos da história.
Um número surpreendentemente grande de trabalhadores brasileiros, desconhece a história do movimento operário brasileiro e internacional. Não reconhecendo, por exemplo, os símbolos, as imagens e a linguagem inaugurada pela Revolução russa de 1917, os trabalhadores torna-se desprovidos de referências históricas para sua luta hoje. O desconhecimento histórico soma-se assim com a ausência de instrumentos teóricos para que os trabalhadores possam analisar as causas objetivas que explicam sua pobreza, suas dificuldades. E o que a militância cultural, a ser devidamente ampliada/potencializada no seio do proletariado, teria propriamente a ver com isso?
Se no Brasil de hoje a direita ganhou uma tremenda força política, é porque muitos trabalhadores não entendem que fazem parte de uma classe, e que portanto possuem um projeto político distinto dos interesses econômicos da classe dominante. Obvio demais? Nem tanto! Um trabalho cultural que visa colocar em circulação imagens e narrativas revolucionárias, coloca-se como um primeiro(e longo...) passo para reatar estéticas combativas com o coração e a mente do povo. Bater na mesma tecla significa em termos culturais estar sempre pronto para retomar(e corrigir, reavaliar) as estratégias necessárias para contribuir com o movimento político dos trabalhadores. Em termos literários e artísticos em geral, continuaremos a tentar espalhar palavras e imagens que devem encontrar-se com os rumos da história.
domingo, 2 de julho de 2017
Pausa para o café
O primeiro semestre de 2017 foi muito significativo para o nosso blog. Além de continuarmos a promover a reflexão estética( insistindo que a presença da arte é fundamental na luta política), passamos a realizar também pequenas experiências literárias. Tais experiências estão embasadas na ideia de que a literatura contribui com transformações significativas na consciência dos trabalhadores. Ainda que o alcance de nossas intervenções esteja muito, muito longe de ser aquele que desejamos(conhecemos bem nossos limites na realidade), pensamos que existe o mérito de fazermos deste periódico um rascunho para ideias, para inquietações literárias. Trata-se antes de mais nada de uma insistente(e honesta) tentativa independente de participação. Voltaremos dentro de algumas semanas.
domingo, 25 de junho de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 71
O individualismo enquanto elemento intrínseco ao modo de vida burguês, influencia de tal maneira a criação artística, que a coletividade é posta de lado. Em matéria de cinema , por exemplo, o que observamos em grande parte é o protagonista individualista diante de pequenas situações ou grandes situações. Em cada uma delas ele age num quadro em que sua personalidade, suas características psicológicas, são postas em primeiro plano, enquanto que a história ou ao menos o contexto histórico em que a trama se passa, existem enquanto mero cenário. O contexto literário não é tão diferente, já que o " eu " muitas vezes habita o reinado do nada, do fragmento que flutua em dramas puramente individuais. Este estado de coisas exige a defesa da arte que aborda os dramas coletivos.
Os grandes dramas da coletividade, que remetem claramente à representação artística dos temas históricos, não devem ser confundidos aqui com o esquematismo e a artificialidade próprias à manipulação estética do Realismo Socialista. Os dramas da coletividade devem ser abordados de acordo com as contradições históricas, com as tendências sociais objetivas que ganham forma mediante à luta de classes. Mergulhada em tais contradições, a narrativa(seja ela literária, cinematográfica etc) não é desculpa para o folhetinesco ou para o sentimento patriótico que servem para ocultar os interesses de classe no enredo de uma história. Os dramas individuais dos personagens ganham substância enquanto partes integrantes de um drama maior, de natureza histórica.
As estratégias estéticas para a representação de dramas coletivos, ocorridos em determinadas épocas da história, confluem na direção do realismo. Porém, pensamos que este realismo deve ser dinâmico, ágil, aberto à invenção. Isto explicita o fato de que as tensões sociais(sobretudo em momentos revolucionários) exigem formas revolucionárias, capazes de promover choque e reflexão. Tão esteticamente/politicamente empobrecedor quanto o jdanovismo, é o realismo defendido por Lukács: é um realismo tradicional, que parou no tempo, limitando-se à refletir sem levar em conta as conquistas estéticas do modernismo para fortalecer a própria proposta realista.
Os dramas da coletividade em arte exigem a compreensão do movimento da história, da sua direção e das suas leis. Representar artisticamente estes dramas requer por parte do artista não apenas conhecimento histórico, mas perspectiva histórica: o artista precisa representar a marcha histórica em direção ao socialismo, em direção à emancipação da classe trabalhadora. A arte precisa representar , revelar o sentido da história.
Os grandes dramas da coletividade, que remetem claramente à representação artística dos temas históricos, não devem ser confundidos aqui com o esquematismo e a artificialidade próprias à manipulação estética do Realismo Socialista. Os dramas da coletividade devem ser abordados de acordo com as contradições históricas, com as tendências sociais objetivas que ganham forma mediante à luta de classes. Mergulhada em tais contradições, a narrativa(seja ela literária, cinematográfica etc) não é desculpa para o folhetinesco ou para o sentimento patriótico que servem para ocultar os interesses de classe no enredo de uma história. Os dramas individuais dos personagens ganham substância enquanto partes integrantes de um drama maior, de natureza histórica.
As estratégias estéticas para a representação de dramas coletivos, ocorridos em determinadas épocas da história, confluem na direção do realismo. Porém, pensamos que este realismo deve ser dinâmico, ágil, aberto à invenção. Isto explicita o fato de que as tensões sociais(sobretudo em momentos revolucionários) exigem formas revolucionárias, capazes de promover choque e reflexão. Tão esteticamente/politicamente empobrecedor quanto o jdanovismo, é o realismo defendido por Lukács: é um realismo tradicional, que parou no tempo, limitando-se à refletir sem levar em conta as conquistas estéticas do modernismo para fortalecer a própria proposta realista.
Os dramas da coletividade em arte exigem a compreensão do movimento da história, da sua direção e das suas leis. Representar artisticamente estes dramas requer por parte do artista não apenas conhecimento histórico, mas perspectiva histórica: o artista precisa representar a marcha histórica em direção ao socialismo, em direção à emancipação da classe trabalhadora. A arte precisa representar , revelar o sentido da história.
domingo, 18 de junho de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 70
Apresentamos Zé+Zé= Sujeito histórico, de José Ferroso.
" Os dois amigos tinham o mesmo nome: José e José sempre foram vizinhos, amigos de uma vida. Ambos chegaram aos 40 anos com mulher e filhos. Os dois tinham calos parecidos nas mãos, pois trabalharam em lugares parecidos: fábrica, construção civil, coleta de lixo etc. Trabalhavam juntos agora na mesma fábrica. Mas mesmo assim, havia diferenças marcantes: um Zé era doido por futebol, preferia guaraná ao invés de pinga, usava um boné azul, gostava de baralho e tinha dois filhos. O outro Zé , não gostava muito de bola, gostava de cachaça e muita sanfona, tinha um filho vivo, sendo que o mais novo morreu de fome numa longa viagem a pé entre o interior do Ceará e a cidade de São Paulo. Esse Zé tinha um boné amarelo.
Num começo de noite, o sindicato decidiu que a greve rebentava na próxima madrugada. O dois amigos olhavam timidamente para os outros companheiros exaltados: murros na mesa, gargalhadas, vaias e olhares preocupados cercavam ambos numa assembléia que já durava 4 horas. Um Zé olhou para o outro e disse:
Zé 1: - E você, acha que a greve vai pra frente?
Zé 2: - Acho que vai.
No dia seguinte, estava marcada uma passeata. Os dois amigos chegaram pontualmente: operários se amontoavam e proclamavam palavras de ordem. Tomados por uma emoção súbita ambos passaram também a gritar. Conforme a passeata avançava, Zé e Zé percebiam que com bonés diferentes, calos parecidos, gostos diferentes e dramas particulares, eles não eram apenas amigos: faziam parte da mesma classe, tinham a mesma sede por um outro mundo. Um Zé olhou para o outro e disse:
Zé 1:- Lembra quando eu te perguntei ontem, se a greve ia pra frente?
Zé 2 - Lembro
Zé 1: - Pois eu acho que esta greve promete mais, acho que tamo indo pra frente mesmo
Zé 2:- Eu não arredo o pé!
Ambos iam mudando seu jeito de falar e pensar. Se assustavam um pouco, pois geralmente falavam baixo e assistiam os acontecimentos sem voz e com palito de dente na boca. Sim, era uma mudança e tanto: as lembranças festivas e amargas, os anos de trabalho, tudo só faria sentido se eles continuassem a andar juntos, a manter os pés marchando numa única direção. O helicóptero no céu era o mesmo. O cassetete era o mesmo. As reportagens na grande imprensa eram as mesmas. Mas Zé e Zé não eram mais os mesmos. "
José Ferroso
" Os dois amigos tinham o mesmo nome: José e José sempre foram vizinhos, amigos de uma vida. Ambos chegaram aos 40 anos com mulher e filhos. Os dois tinham calos parecidos nas mãos, pois trabalharam em lugares parecidos: fábrica, construção civil, coleta de lixo etc. Trabalhavam juntos agora na mesma fábrica. Mas mesmo assim, havia diferenças marcantes: um Zé era doido por futebol, preferia guaraná ao invés de pinga, usava um boné azul, gostava de baralho e tinha dois filhos. O outro Zé , não gostava muito de bola, gostava de cachaça e muita sanfona, tinha um filho vivo, sendo que o mais novo morreu de fome numa longa viagem a pé entre o interior do Ceará e a cidade de São Paulo. Esse Zé tinha um boné amarelo.
Num começo de noite, o sindicato decidiu que a greve rebentava na próxima madrugada. O dois amigos olhavam timidamente para os outros companheiros exaltados: murros na mesa, gargalhadas, vaias e olhares preocupados cercavam ambos numa assembléia que já durava 4 horas. Um Zé olhou para o outro e disse:
Zé 1: - E você, acha que a greve vai pra frente?
Zé 2: - Acho que vai.
No dia seguinte, estava marcada uma passeata. Os dois amigos chegaram pontualmente: operários se amontoavam e proclamavam palavras de ordem. Tomados por uma emoção súbita ambos passaram também a gritar. Conforme a passeata avançava, Zé e Zé percebiam que com bonés diferentes, calos parecidos, gostos diferentes e dramas particulares, eles não eram apenas amigos: faziam parte da mesma classe, tinham a mesma sede por um outro mundo. Um Zé olhou para o outro e disse:
Zé 1:- Lembra quando eu te perguntei ontem, se a greve ia pra frente?
Zé 2 - Lembro
Zé 1: - Pois eu acho que esta greve promete mais, acho que tamo indo pra frente mesmo
Zé 2:- Eu não arredo o pé!
Ambos iam mudando seu jeito de falar e pensar. Se assustavam um pouco, pois geralmente falavam baixo e assistiam os acontecimentos sem voz e com palito de dente na boca. Sim, era uma mudança e tanto: as lembranças festivas e amargas, os anos de trabalho, tudo só faria sentido se eles continuassem a andar juntos, a manter os pés marchando numa única direção. O helicóptero no céu era o mesmo. O cassetete era o mesmo. As reportagens na grande imprensa eram as mesmas. Mas Zé e Zé não eram mais os mesmos. "
José Ferroso
domingo, 11 de junho de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 69
O centenário da Revolução russa exige um esforço militante: a classe trabalhadora precisa de exemplos históricos de luta; e não se trata de qualquer exemplo: a Revolução russa de 1917 apresenta-se como uma escola política que também revela uma dimensão cultural revolucionária. A evidência histórica de que não é a obra de arte que produz a revolução mas sim a revolução que produz a obra de arte, está longe de colocar para a arte um papel passivo diante das transformações sociais de uma época.
É precisamente no contexto histórico em que operam-se transformações na consciência das massas, que a arte apresenta-se não apenas enquanto registro de tais transformações: a obra de arte torna-se um terreno necessário para preparar e mobilizar os sentidos. Se fizermos uma história das revoluções, torna-se evidente que toda a esfera da cultura modifica-se radicalmente através do tecido social. Impossível pensarmos a Revolução francesa de 1789 sem que nosso imaginário seja tomado pela pintura de David. Tratando-se do contexto cultural propiciado pela Revolução russa de 1917, existe uma ampla produção artística que não perdeu sua atualidade.
Se a vitória burguesa consagrou a perspectiva estética do neoclassicismo, a vitória do proletariado na Rússia encampou os movimentos de vanguarda. Pensando no centenário da Revolução russa, é dever de todos os militantes de esquerda divulgar a arte revolucionária que descortinou-se com a tomada do poder pelos bolcheviques. Da poesia de Maiakóvski ao cinema de Eisenstein, encontramos na chamada arte de esquerda do contexto soviético, um arsenal de obras que desempenhavam uma função que até hoje nos inspira: o poema, o cartaz, a peça teatral, o filme, o conto, o romance, a pintura, a arquitetura, tudo fundia-se ao cotidiano das massas. Ideologicamente falando, a obra de arte tornou-se parte da realidade do proletariado.
Quando olhamos para a arte soviética do final dos anos 10 e dos anos 20, encontramos um fecundo material inspirador. Na hora de narrarmos a história da Revolução russa de 1917, precisamos necessariamente acionar a dimensão estética deste acontecimento histórico. Tal consideração é um recurso estratégico para que os trabalhadores brasileiros conheçam esta história.
É precisamente no contexto histórico em que operam-se transformações na consciência das massas, que a arte apresenta-se não apenas enquanto registro de tais transformações: a obra de arte torna-se um terreno necessário para preparar e mobilizar os sentidos. Se fizermos uma história das revoluções, torna-se evidente que toda a esfera da cultura modifica-se radicalmente através do tecido social. Impossível pensarmos a Revolução francesa de 1789 sem que nosso imaginário seja tomado pela pintura de David. Tratando-se do contexto cultural propiciado pela Revolução russa de 1917, existe uma ampla produção artística que não perdeu sua atualidade.
Se a vitória burguesa consagrou a perspectiva estética do neoclassicismo, a vitória do proletariado na Rússia encampou os movimentos de vanguarda. Pensando no centenário da Revolução russa, é dever de todos os militantes de esquerda divulgar a arte revolucionária que descortinou-se com a tomada do poder pelos bolcheviques. Da poesia de Maiakóvski ao cinema de Eisenstein, encontramos na chamada arte de esquerda do contexto soviético, um arsenal de obras que desempenhavam uma função que até hoje nos inspira: o poema, o cartaz, a peça teatral, o filme, o conto, o romance, a pintura, a arquitetura, tudo fundia-se ao cotidiano das massas. Ideologicamente falando, a obra de arte tornou-se parte da realidade do proletariado.
Quando olhamos para a arte soviética do final dos anos 10 e dos anos 20, encontramos um fecundo material inspirador. Na hora de narrarmos a história da Revolução russa de 1917, precisamos necessariamente acionar a dimensão estética deste acontecimento histórico. Tal consideração é um recurso estratégico para que os trabalhadores brasileiros conheçam esta história.
domingo, 4 de junho de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 68
Apresentamos Os Trajes dos opressores , de Geraldo Vermelhão.
" Querem me surrar, me prender, me processar, quebrar minha cara, minha poesia, minhas ideias. Pois que venham!
Sim, que venham os espartanos com suas espadas de ferro.
Não farei sandálias para nenhum faraó cretino!
Que venham os persas com arcos e flechas. Que venha o exército romano me caçar nas florestas.
Estou pronto para lidar com os cavaleiros e suas cruzadas feitas de metal e sangue.
Os príncipes, grávidos com as monarquias absolutistas, podem ter sangue azul, mas sangram feito qualquer um.
Os colonizadores ibéricos não vão conseguir que eu trabalhe na lavoura. Não vou morrer sufocado nas minas para enriquece-los com ouro e prata.
Meu sangue não será mais evaporado na fábrica. Minha carne não será triturada pela máquina que está a serviço do capital
Não tenho medo da cavalaria americana. Nenhuma corneta pode com o volume dos meus versos.
Lutarei até o fim antes que me levem para os campos de concentração. Cada verso é um tiro contra a suástica.
Que venham golpistas e os novos empregadinhos da velha burguesia.
Não existe lama ou gás lacrimogêneo capazes de fazer com que minha poesia deixe de soltar faíscas, flores e as imagens sonhadas de uma outra história ".
Geraldo Vermelhão
" Querem me surrar, me prender, me processar, quebrar minha cara, minha poesia, minhas ideias. Pois que venham!
Sim, que venham os espartanos com suas espadas de ferro.
Não farei sandálias para nenhum faraó cretino!
Que venham os persas com arcos e flechas. Que venha o exército romano me caçar nas florestas.
Estou pronto para lidar com os cavaleiros e suas cruzadas feitas de metal e sangue.
Os príncipes, grávidos com as monarquias absolutistas, podem ter sangue azul, mas sangram feito qualquer um.
Os colonizadores ibéricos não vão conseguir que eu trabalhe na lavoura. Não vou morrer sufocado nas minas para enriquece-los com ouro e prata.
Meu sangue não será mais evaporado na fábrica. Minha carne não será triturada pela máquina que está a serviço do capital
Não tenho medo da cavalaria americana. Nenhuma corneta pode com o volume dos meus versos.
Lutarei até o fim antes que me levem para os campos de concentração. Cada verso é um tiro contra a suástica.
Que venham golpistas e os novos empregadinhos da velha burguesia.
Não existe lama ou gás lacrimogêneo capazes de fazer com que minha poesia deixe de soltar faíscas, flores e as imagens sonhadas de uma outra história ".
Geraldo Vermelhão
domingo, 28 de maio de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 67
Sabemos que é impossível utilizarmos uma régua para medir a influência exata de uma obra de arte na consciência. Os profissionais que controlam a indústria cultural, fazem cálculos e estabelecem padrões repetitivos com base na compra e venda de produtos. Suas pesquisas estéticas lhes permitem não apenas detectar o gosto, mas manipular politicamente as massas por meios de imagens que compensam ilusoriamente a perda da personalidade no trabalho alienado. Dominar por meio de produtos artísticos controlados pelo capital, é mais fácil do que pensar/criar com finalidades políticas emancipatórias.
A arte que pretende fazer com que os homens tomem consciência sobre a sociedade da exploração e da alienação, estaria fadada ao fracasso histórico? Então os estudos clássicos da chamada Escola de Frankfurt selaram um frustrante destino para a arte? Certamente não. Aqueles que compreendem o sentido da história, analisando o seu movimento dialético, sabem que o modo de produção capitalista possui contradições que levarão inevitavelmente ao seu fim. Ainda que a indústria cultural seja um fato, a análise de autores como Adorno desconsidera o papel da luta de classes no processo histórico: os modos de produção anteriores ao capitalismo encontraram seu fim. Se tomamos o proletariado como sujeito histórico, é porque ele é a classe que possui as condições necessárias para destruir a sociedade de classes. Ao tomarmos a história como algo vivo, dinâmico, assumimos a perspectiva política da classe trabalhadora. Tal perspectiva faz com que a arte surja como arma ideológica no seio da cultura.
O cotidiano dos homens na sociedade capitalista não é estático: as lutas sociais aumentam a temperatura da arte, que adquire impacto sensível em momentos de tensão. Se a produção em torno da cultura de massa esforça-se para manter o cotidiano intacto, a arte militante tenta subverter a percepção do chamado homem comum. Se olharmos para o Brasil hoje, a tensão política possibilita que um vídeo ou um texto literário, por exemplo, tenham um impacto social que não seria obtido em tempos de calmaria. É preciso que o artista interessado em conscientizar, em contribuir com a educação/formação, tenha perspicácia, imaginação e ousadia estética nestes dias que correm.
A arte que pretende fazer com que os homens tomem consciência sobre a sociedade da exploração e da alienação, estaria fadada ao fracasso histórico? Então os estudos clássicos da chamada Escola de Frankfurt selaram um frustrante destino para a arte? Certamente não. Aqueles que compreendem o sentido da história, analisando o seu movimento dialético, sabem que o modo de produção capitalista possui contradições que levarão inevitavelmente ao seu fim. Ainda que a indústria cultural seja um fato, a análise de autores como Adorno desconsidera o papel da luta de classes no processo histórico: os modos de produção anteriores ao capitalismo encontraram seu fim. Se tomamos o proletariado como sujeito histórico, é porque ele é a classe que possui as condições necessárias para destruir a sociedade de classes. Ao tomarmos a história como algo vivo, dinâmico, assumimos a perspectiva política da classe trabalhadora. Tal perspectiva faz com que a arte surja como arma ideológica no seio da cultura.
O cotidiano dos homens na sociedade capitalista não é estático: as lutas sociais aumentam a temperatura da arte, que adquire impacto sensível em momentos de tensão. Se a produção em torno da cultura de massa esforça-se para manter o cotidiano intacto, a arte militante tenta subverter a percepção do chamado homem comum. Se olharmos para o Brasil hoje, a tensão política possibilita que um vídeo ou um texto literário, por exemplo, tenham um impacto social que não seria obtido em tempos de calmaria. É preciso que o artista interessado em conscientizar, em contribuir com a educação/formação, tenha perspicácia, imaginação e ousadia estética nestes dias que correm.
domingo, 21 de maio de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 66
Apresentamos Fatos e Guilhotinas, de Lenito.
" Uma guilhotina desceu pela floresta, passou pelo chão do sertão, cortou o vapor da chaminé de uma fábrica e chegou ao centro do poder. A lâmina decepou sorrisos, reformas políticas, finanças e arrotos de champanhe. Os Sans Quilottes falavam ameaçadoramente ao celular: O Brasil de 2017 está vendo o Antigo Regime ruir.
Pelas redes sociais ficou claro que a Assembléia dos Estados gerais estava politicamente falida. Os sites do Primeiro e do Segundo Estado não conseguem mais esconder a instabilidade política. Não haverá espaço para monarquia constitucional. A Convenção está a caminho. Na Cinelândia, os jacobinos estão reunidos. Na avenida Paulista, tremulam as bandeiras dos trabalhadores. Enrangés abraçados com indígenas cantarolam sobre um dilúvio. Um rapper pensa sobre novas Bastilhas em queda. A eventual derrocada do Antigo do regime poderá levar à eleições indiretas. Entre os revolucionários dos Terceiro Estado, encontramos os defensores das Diretas Já e os defensores da criação de uma Assembléia nacional constituinte. No meio do caos, um duende joga xadrez com uma operária na beira do abismo.
As monarquias absolutistas de outros países apenas observam o que se passa no Brasil(deve-se levar em conta que tais países podem querer intervir militarmente caso o povo tome o poder). Por hora, o Antigo regime conta com drones que monitoram o explosivo ambiente político.
O rei está politicamente encurralado. Sua possível queda é cogitada pela mídia girondina. O calendário de uma mesa não consegue decidir qual será o dia seguinte. Até mesmo o mês, o ano e o século se confundem: maio de 2017? outubro de 1917? julho de 1789? Um historiador prudente puxa o autor destas linhas em direção à terra. Ele diz com respaldo:
" - Meu caro poeta: basta de anacronismo! Enquanto revolucionário você já deveria ter entendido que a história não se repete. Além do mais, não estamos vivendo no Brasil uma situação revolucionária. O que existe é uma crise política. Cabe aos trabalhadores realizarem pressão popular para reverter este momento reacionário ".
Desperto do transe histórico e tento me desculpar com meu amigo historiador: ele está certo, a história não se repete. Porém, quando misturamos enredos históricos, juntando as imagens revolucionárias de ontem e de hoje, paralisamos o tempo dos reacionários! Peço licença para desenhar um único tempo da luta política. "
Lenito
" Uma guilhotina desceu pela floresta, passou pelo chão do sertão, cortou o vapor da chaminé de uma fábrica e chegou ao centro do poder. A lâmina decepou sorrisos, reformas políticas, finanças e arrotos de champanhe. Os Sans Quilottes falavam ameaçadoramente ao celular: O Brasil de 2017 está vendo o Antigo Regime ruir.
Pelas redes sociais ficou claro que a Assembléia dos Estados gerais estava politicamente falida. Os sites do Primeiro e do Segundo Estado não conseguem mais esconder a instabilidade política. Não haverá espaço para monarquia constitucional. A Convenção está a caminho. Na Cinelândia, os jacobinos estão reunidos. Na avenida Paulista, tremulam as bandeiras dos trabalhadores. Enrangés abraçados com indígenas cantarolam sobre um dilúvio. Um rapper pensa sobre novas Bastilhas em queda. A eventual derrocada do Antigo do regime poderá levar à eleições indiretas. Entre os revolucionários dos Terceiro Estado, encontramos os defensores das Diretas Já e os defensores da criação de uma Assembléia nacional constituinte. No meio do caos, um duende joga xadrez com uma operária na beira do abismo.
As monarquias absolutistas de outros países apenas observam o que se passa no Brasil(deve-se levar em conta que tais países podem querer intervir militarmente caso o povo tome o poder). Por hora, o Antigo regime conta com drones que monitoram o explosivo ambiente político.
O rei está politicamente encurralado. Sua possível queda é cogitada pela mídia girondina. O calendário de uma mesa não consegue decidir qual será o dia seguinte. Até mesmo o mês, o ano e o século se confundem: maio de 2017? outubro de 1917? julho de 1789? Um historiador prudente puxa o autor destas linhas em direção à terra. Ele diz com respaldo:
" - Meu caro poeta: basta de anacronismo! Enquanto revolucionário você já deveria ter entendido que a história não se repete. Além do mais, não estamos vivendo no Brasil uma situação revolucionária. O que existe é uma crise política. Cabe aos trabalhadores realizarem pressão popular para reverter este momento reacionário ".
Desperto do transe histórico e tento me desculpar com meu amigo historiador: ele está certo, a história não se repete. Porém, quando misturamos enredos históricos, juntando as imagens revolucionárias de ontem e de hoje, paralisamos o tempo dos reacionários! Peço licença para desenhar um único tempo da luta política. "
Lenito
domingo, 14 de maio de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 65
Rascunho de uma possível plataforma para a literatura de combate:
1- O escritor deve compreender os níveis de desenvolvimento da realidade histórica, sabendo expor por meio da narrativa, por meio das imagens, as contradições das sociedades de classes. Ao referir-se aos problemas da sociedade capitalista, ou aos problemas de qualquer outro período histórico, o autor deve dominar o material histórico sob o ponto de vista objetivo. Obs: tais considerações dizem respeito particularmente ao campo da prosa.
2- Caso adote a perspectiva estética do realismo, o escritor deve estar atento ao perigo de reproduzir técnicas literárias ultrapassadas, que não condizem com o desenvolvimento histórico da literatura. Não podemos escrever como se estivéssemos no século XIX. Pesquisar novos modos de expressão e adotar uma postura de invenção, contribuem para que o texto tenha flexibilidade linguística, tenha agilidade expressiva, potencializando sua força comunicativa.
3- Seja no texto em prosa ou no poema, e até mesmo nas tentativas de abolir os limites entre ambos, os escritores devem ser fiéis às suas necessidades interiores: a obra de arte é fruto de tal necessidade. Partindo desta necessidade, o escritor de esquerda segue conscientemente pelo terreno histórico, refletindo ao longo do processo de composição literária, sobre a maneira como o texto intervém sobre a consciência dos leitores contemporâneos. Obs: Existem diferentes caminhos para o texto literário de combate. Tanto uma obra de caráter realista quanto uma obra que recorre à investigação dos fenômenos do inconsciente(tal como os surrealistas e os autores beats fizeram) , são necessárias para colocar em descrédito a cultura da classe dominante.
4- Escrever sem nenhuma imposição externa, ainda que tal imposição aparente ter um caráter político progressista.
5- Passar longe do chá literário e inserir o texto na realidade cultural da classe trabalhadora.
6- Defender a politização da arte, mas ao mesmo tempo considerar que os meios da arte possuem suas próprias leis: a força subversiva de qualquer obra de arte, consiste no fato da arte apresentar um necessário distanciamento em relação aquilo " que é " , em relação aquilo que existe. O escritor pode e deve ser um ativista, mas o tecido estético exige um procedimento específico, que envolve a lógica interna da obra de arte.
7- Assimilar criticamente as heranças estéticas da literatura revolucionária dos séculos XIX e XX.
8- Situar a crítica marxista como alavanca teórica, projeto revolucionário, ferramenta que orienta a visão de mundo do escritor. Entretanto, jamais fazer do marxismo uma camisa de força que impede o voo artístico e a pesquisa literária.
1- O escritor deve compreender os níveis de desenvolvimento da realidade histórica, sabendo expor por meio da narrativa, por meio das imagens, as contradições das sociedades de classes. Ao referir-se aos problemas da sociedade capitalista, ou aos problemas de qualquer outro período histórico, o autor deve dominar o material histórico sob o ponto de vista objetivo. Obs: tais considerações dizem respeito particularmente ao campo da prosa.
2- Caso adote a perspectiva estética do realismo, o escritor deve estar atento ao perigo de reproduzir técnicas literárias ultrapassadas, que não condizem com o desenvolvimento histórico da literatura. Não podemos escrever como se estivéssemos no século XIX. Pesquisar novos modos de expressão e adotar uma postura de invenção, contribuem para que o texto tenha flexibilidade linguística, tenha agilidade expressiva, potencializando sua força comunicativa.
3- Seja no texto em prosa ou no poema, e até mesmo nas tentativas de abolir os limites entre ambos, os escritores devem ser fiéis às suas necessidades interiores: a obra de arte é fruto de tal necessidade. Partindo desta necessidade, o escritor de esquerda segue conscientemente pelo terreno histórico, refletindo ao longo do processo de composição literária, sobre a maneira como o texto intervém sobre a consciência dos leitores contemporâneos. Obs: Existem diferentes caminhos para o texto literário de combate. Tanto uma obra de caráter realista quanto uma obra que recorre à investigação dos fenômenos do inconsciente(tal como os surrealistas e os autores beats fizeram) , são necessárias para colocar em descrédito a cultura da classe dominante.
4- Escrever sem nenhuma imposição externa, ainda que tal imposição aparente ter um caráter político progressista.
5- Passar longe do chá literário e inserir o texto na realidade cultural da classe trabalhadora.
6- Defender a politização da arte, mas ao mesmo tempo considerar que os meios da arte possuem suas próprias leis: a força subversiva de qualquer obra de arte, consiste no fato da arte apresentar um necessário distanciamento em relação aquilo " que é " , em relação aquilo que existe. O escritor pode e deve ser um ativista, mas o tecido estético exige um procedimento específico, que envolve a lógica interna da obra de arte.
7- Assimilar criticamente as heranças estéticas da literatura revolucionária dos séculos XIX e XX.
8- Situar a crítica marxista como alavanca teórica, projeto revolucionário, ferramenta que orienta a visão de mundo do escritor. Entretanto, jamais fazer do marxismo uma camisa de força que impede o voo artístico e a pesquisa literária.
domingo, 7 de maio de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 64
Apresentamos Cabeça de Porco , de Marta Dinamite.
" A estátua do nobre homem... O mais abençoado! O mais rico! O mais alto! O mais feliz! Aquele que possui um perfil que rende fotos e mais fotos... Esta estátua teve sua cabeça misteriosamente arrancada do corpo. Num gesto de jaca madura, a cabeça caiu no colo de uma granfina histérica. Antes que a moça(coitada... Ela cacarejava, gaguejava, gritava tanto que o colar de pérola parecia gelatina transparente),deixasse a cabeça em local confortável, dois famintos seguiram na sua direção. Um dos famintos trazia um porrete. Uma coruja piou 3 vezes. Uma senhora fez o sinal da cruz. Um moleque gritou um palavrão. Foi então que o porrete cantou: a cabeça da estátua partiu ao meio derramando sangue, borboletas, hipopótamos, sinaleiros, conventos, miado de onça pintada e estranhas jabuticabas.
Ao entardecer, a burguesinha sentiu nojo da lama espalhada em seu quarto de nupcias. Ela terminou sua última garrafa de gim concluindo que as nuvens estavam encharcadas de culpa. Ela não amava, apenas representava num palco vazio em que a poltrona da frente trazia um espelho voltado para ela. Embaixo da sua cama, um anãozinho, que devorava batatinhas fritas, murmurava de modo perturbador a seguinte frase: " Não existe amor quando se usa cinto de segurança ".
Durante o jantar, braços e mais braços envoltos em ternos importados e braceletes de ouro, dedicavam um brinde à estátua sem cabeça. Um silêncio repentino tomou o salão... O lustre ficou com a luz ruborizada... O piano cessou. Alguém não conseguiu conter os gases. Lá fora, selvagens dançavam em volta da casa. Eram os famintos que queriam comer as riquezas escondidas na mansão. O granfinos rezavam mas as paredes tremiam. O que fazer? Chamar o exército? Telefonar para algum super herói?
A mansão despareceu. Alguns falam que não sobrou nenhum tijolo. A vida não poderia continuar a mesma. O velho caiu da rede. A laranja secou no pé. O carro não andava. As cartas do baralho congelaram. A galinha não estava mais afim de botar ovos. A fome gera um grito bárbaro! Os porcos não podem mais esconder suas pérolas. O burguês perdeu a cabeça. "
Marta Dinamite
" A estátua do nobre homem... O mais abençoado! O mais rico! O mais alto! O mais feliz! Aquele que possui um perfil que rende fotos e mais fotos... Esta estátua teve sua cabeça misteriosamente arrancada do corpo. Num gesto de jaca madura, a cabeça caiu no colo de uma granfina histérica. Antes que a moça(coitada... Ela cacarejava, gaguejava, gritava tanto que o colar de pérola parecia gelatina transparente),deixasse a cabeça em local confortável, dois famintos seguiram na sua direção. Um dos famintos trazia um porrete. Uma coruja piou 3 vezes. Uma senhora fez o sinal da cruz. Um moleque gritou um palavrão. Foi então que o porrete cantou: a cabeça da estátua partiu ao meio derramando sangue, borboletas, hipopótamos, sinaleiros, conventos, miado de onça pintada e estranhas jabuticabas.
Ao entardecer, a burguesinha sentiu nojo da lama espalhada em seu quarto de nupcias. Ela terminou sua última garrafa de gim concluindo que as nuvens estavam encharcadas de culpa. Ela não amava, apenas representava num palco vazio em que a poltrona da frente trazia um espelho voltado para ela. Embaixo da sua cama, um anãozinho, que devorava batatinhas fritas, murmurava de modo perturbador a seguinte frase: " Não existe amor quando se usa cinto de segurança ".
Durante o jantar, braços e mais braços envoltos em ternos importados e braceletes de ouro, dedicavam um brinde à estátua sem cabeça. Um silêncio repentino tomou o salão... O lustre ficou com a luz ruborizada... O piano cessou. Alguém não conseguiu conter os gases. Lá fora, selvagens dançavam em volta da casa. Eram os famintos que queriam comer as riquezas escondidas na mansão. O granfinos rezavam mas as paredes tremiam. O que fazer? Chamar o exército? Telefonar para algum super herói?
A mansão despareceu. Alguns falam que não sobrou nenhum tijolo. A vida não poderia continuar a mesma. O velho caiu da rede. A laranja secou no pé. O carro não andava. As cartas do baralho congelaram. A galinha não estava mais afim de botar ovos. A fome gera um grito bárbaro! Os porcos não podem mais esconder suas pérolas. O burguês perdeu a cabeça. "
Marta Dinamite
domingo, 30 de abril de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 63
Um rolo compressor ameaça esmagar a classe trabalhadora brasileira. Aquilo que o governo(representante direto da burguesia) chama de " modernização das relações de trabalho ", não passa de uma canga que os patrões desejam colocar nas costas do trabalhador. Os direitos conquistados historicamente com muitas lutas, estão claramente ameaçados. Mas nós trabalhadores, sabemos muito bem que não somos gado. A greve geral ocorrida da última sexta feira, foi uma resposta importante. Se faz necessário agora outras mobilizações em que a voz dos trabalhadores seja ouvida de norte a sul no país. Mas o que tudo isso tem a ver com arte?
Se os trabalhadores estão com seus direitos ameaçados, a única saída política é a mobilização, é a luta política. Tais caminhos históricos estão intimamente ligados ao nível de consciência que os trabalhadores podem e devem adquirir. Como sempre defendemos aqui, a tomada de consciência depende não apenas da informação em si: não basta relatar objetivamente os acontecimentos. O problema é como esta mesma informação é comunicada. O jornalismo operário e o carro de som cumprem um papel político inestimável, mas são instrumentos que apenas em parte constroem a mensagem política. Tomar consciência também envolve uma ação sensível sobre seres humanos concretos; daí a necessidade da arte nas lutas da classe trabalhadora.
A questão estética não é neste caso um mero complemento, mas uma dimensão necessária para que o proletariado reconheça/compreenda pelos seus nervos, pela sua emoção(que nunca pode estar divorciada da sua racionalidade) a opressão realizada pela classe dominante. As manifestações artísticas de esquerda precisam ocupar um espaço cultural importante na vida dos trabalhadores. Uma obra literária, por exemplo, deve disputar ideologicamente com o texto religioso fundamentalista que narcotiza o leitor operário no ônibus ou no metrô . Um vídeo combativo deve ser capaz de interessar os operários tanto quanto uma partida de futebol. Seriam estas tarefas fáceis?
Do ponto de vista da correlação de forças, os militantes da cultura não estão em condições favoráveis. Entretanto, é no movimento contraditório que rege a realidade, que tanto o protesto político quanto a arte combativa adquirem força histórica.
Se os trabalhadores estão com seus direitos ameaçados, a única saída política é a mobilização, é a luta política. Tais caminhos históricos estão intimamente ligados ao nível de consciência que os trabalhadores podem e devem adquirir. Como sempre defendemos aqui, a tomada de consciência depende não apenas da informação em si: não basta relatar objetivamente os acontecimentos. O problema é como esta mesma informação é comunicada. O jornalismo operário e o carro de som cumprem um papel político inestimável, mas são instrumentos que apenas em parte constroem a mensagem política. Tomar consciência também envolve uma ação sensível sobre seres humanos concretos; daí a necessidade da arte nas lutas da classe trabalhadora.
A questão estética não é neste caso um mero complemento, mas uma dimensão necessária para que o proletariado reconheça/compreenda pelos seus nervos, pela sua emoção(que nunca pode estar divorciada da sua racionalidade) a opressão realizada pela classe dominante. As manifestações artísticas de esquerda precisam ocupar um espaço cultural importante na vida dos trabalhadores. Uma obra literária, por exemplo, deve disputar ideologicamente com o texto religioso fundamentalista que narcotiza o leitor operário no ônibus ou no metrô . Um vídeo combativo deve ser capaz de interessar os operários tanto quanto uma partida de futebol. Seriam estas tarefas fáceis?
Do ponto de vista da correlação de forças, os militantes da cultura não estão em condições favoráveis. Entretanto, é no movimento contraditório que rege a realidade, que tanto o protesto político quanto a arte combativa adquirem força histórica.
domingo, 23 de abril de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 62
Apresentamos A Greve Criadora, de Lenito
" Nenhum motor de ônibus roncou naquela manhã. O silêncio era a invisível melodia de combate nas garagens e nas estações de trem. A sirene das 18 h não gritaria: ela beijaria os lábios do relógio enquanto apitos, sinaleiros, placas e faróis acabariam por fazer amor num céu colorido. Aquela manhã seria de luta e beleza, ou melhor dizendo,seria aos olhos da história a beleza da luta.
Num porto de Santos, uma ave pousou sobre um navio imóvel, fechado como um túmulo. Pessoas amontoavam-se nas estações de Metrô das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Nenhum trem. Novos itinerários mentais. Bocas tagarelavam de norte a sul, de leste a oeste; era uma somatória de sotaques, uma moderna torre de Babel proletária que falava em um único assunto: greve geral.
Por volta do meio dia, um grupo de poetas exaustos entregava seus poemas aos passantes. Os poemas foram impressos em folhetos. Cada poeta entregava cada exemplar com entusiasmo e , olhando fixamente nos olhos dos transeuntes, diziam numa voz urgente: " É importante camarada, leia!". Uma velha exclamou " Este papel tem cheiro de pólvora ". Alguns passos a frente, uma estudante respondia " Não, vovó. Isto tem cheiro de flor ". Os poetas percorreram o centro da cidade incansavelmente.
Os poemas circulavam como loucas borboletas que desejavam pousar nos olhos de todos os trabalhadores da cidade: nas praças, nas fábricas, nas universidades... Naquele dia de greve, todos os espaços públicos deveriam conter versos que traduziam em imagens raivosas, a carne trêmula usada como velho burro de carga do capital. Um sindicalista perguntou a um dos poetas:
- Rapaz, isto é um panfleto ou um poema?
Limpando o suor da testa, o poeta responde:
- O poema é um panfleto e o panfleto é um poema.
Restavam alguns poucos exemplares nas mãos dos poetas. Um velho professor perguntou ao grupo:
- Certo, vocês são poetas de esquerda, escritores politizados. Mas será que num dia de greve como esse, sobra espaço para poesia?
Um dos poetas sorriu. Abraçou o velho professor e disse com um sorriso embriagado:
- Meu caro, o trabalho da poesia não é alienado. É um lance criador. Quando os trabalhadores entram em greve a poesia ocupa a cidade. Para nós, a greve é a obra de arte necessária.
No final da noite, um burguês rói-a as unhas: ele olhava pela janela as massas em luta. Um mal estar intestinal fez com que ele corresse para seu lindo banheiro. Foi um único gesto sem poesia durante todo aquele dia " .
Lenito
" Nenhum motor de ônibus roncou naquela manhã. O silêncio era a invisível melodia de combate nas garagens e nas estações de trem. A sirene das 18 h não gritaria: ela beijaria os lábios do relógio enquanto apitos, sinaleiros, placas e faróis acabariam por fazer amor num céu colorido. Aquela manhã seria de luta e beleza, ou melhor dizendo,seria aos olhos da história a beleza da luta.
Num porto de Santos, uma ave pousou sobre um navio imóvel, fechado como um túmulo. Pessoas amontoavam-se nas estações de Metrô das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Nenhum trem. Novos itinerários mentais. Bocas tagarelavam de norte a sul, de leste a oeste; era uma somatória de sotaques, uma moderna torre de Babel proletária que falava em um único assunto: greve geral.
Por volta do meio dia, um grupo de poetas exaustos entregava seus poemas aos passantes. Os poemas foram impressos em folhetos. Cada poeta entregava cada exemplar com entusiasmo e , olhando fixamente nos olhos dos transeuntes, diziam numa voz urgente: " É importante camarada, leia!". Uma velha exclamou " Este papel tem cheiro de pólvora ". Alguns passos a frente, uma estudante respondia " Não, vovó. Isto tem cheiro de flor ". Os poetas percorreram o centro da cidade incansavelmente.
Os poemas circulavam como loucas borboletas que desejavam pousar nos olhos de todos os trabalhadores da cidade: nas praças, nas fábricas, nas universidades... Naquele dia de greve, todos os espaços públicos deveriam conter versos que traduziam em imagens raivosas, a carne trêmula usada como velho burro de carga do capital. Um sindicalista perguntou a um dos poetas:
- Rapaz, isto é um panfleto ou um poema?
Limpando o suor da testa, o poeta responde:
- O poema é um panfleto e o panfleto é um poema.
Restavam alguns poucos exemplares nas mãos dos poetas. Um velho professor perguntou ao grupo:
- Certo, vocês são poetas de esquerda, escritores politizados. Mas será que num dia de greve como esse, sobra espaço para poesia?
Um dos poetas sorriu. Abraçou o velho professor e disse com um sorriso embriagado:
- Meu caro, o trabalho da poesia não é alienado. É um lance criador. Quando os trabalhadores entram em greve a poesia ocupa a cidade. Para nós, a greve é a obra de arte necessária.
No final da noite, um burguês rói-a as unhas: ele olhava pela janela as massas em luta. Um mal estar intestinal fez com que ele corresse para seu lindo banheiro. Foi um único gesto sem poesia durante todo aquele dia " .
Lenito
domingo, 16 de abril de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 61
O que seria propriamente um artista marxista? Haveria a necessidade de exclusividade ideológica por parte do materialismo histórico dialético? Tais perguntas estão muito presas ao rótulo e nem sempre dão conta de compreender do ponto de vista revolucionário a participação política do artista. Antes de mais nada, é preciso que se diga que o marxismo não é um peso sobre as costas de um artista mas um guia, uma chave histórica que lhe oferece conceitos para compreender as relações entre a arte e a sociedade em que ele vive.
Durante o início dos anos 30 na França, o Partido Comunista vivia enchendo o saco dos surrealistas, que em boa parte tinham aderido aos propósitos filosóficos do marxismo. Os dirigentes comunistas franceses desconfiavam do pensamento surrealista: diziam para André Breton, o cabeça do movimento surrealista, que se ele é comunista não existiria necessidade de ser surrealista. Mas quem disse que um comunista também não pode ser um surrealista? Por que delimitar? Este questionamento pode ser estendido para outras situações: um punk ou um rapper podem tranquilamente adotar o método marxista para compreender a realidade, compactuando com os propósitos filosóficos do comunismo sem abrir mãos das especificidades artísticas dos movimentos culturais em que eles atuam.
O marxismo é necessário para o artista: a Economia Política ajuda a desmanchar aquela ideia fajuta de que o artista é um ser que vive flutuando, habitando alegremente um outro mundo, apartado da realidade. É através do materialismo histórico dialético que o artista entende a capacidade de intervenção política da sua arte. Trocando em miúdos: um artista pode adotar a filosofia marxista sem o menor prejuízo frente às suas orientações estéticas, frente ao seu posicionamento diante das questões artísticas e culturais em geral. O marxismo acaba por fundamentar suas práticas, destruindo as bobagens do idealismo pequeno burguês e contribuindo para o entendimento da cultura e logo das leis da história.
Durante o início dos anos 30 na França, o Partido Comunista vivia enchendo o saco dos surrealistas, que em boa parte tinham aderido aos propósitos filosóficos do marxismo. Os dirigentes comunistas franceses desconfiavam do pensamento surrealista: diziam para André Breton, o cabeça do movimento surrealista, que se ele é comunista não existiria necessidade de ser surrealista. Mas quem disse que um comunista também não pode ser um surrealista? Por que delimitar? Este questionamento pode ser estendido para outras situações: um punk ou um rapper podem tranquilamente adotar o método marxista para compreender a realidade, compactuando com os propósitos filosóficos do comunismo sem abrir mãos das especificidades artísticas dos movimentos culturais em que eles atuam.
O marxismo é necessário para o artista: a Economia Política ajuda a desmanchar aquela ideia fajuta de que o artista é um ser que vive flutuando, habitando alegremente um outro mundo, apartado da realidade. É através do materialismo histórico dialético que o artista entende a capacidade de intervenção política da sua arte. Trocando em miúdos: um artista pode adotar a filosofia marxista sem o menor prejuízo frente às suas orientações estéticas, frente ao seu posicionamento diante das questões artísticas e culturais em geral. O marxismo acaba por fundamentar suas práticas, destruindo as bobagens do idealismo pequeno burguês e contribuindo para o entendimento da cultura e logo das leis da história.
domingo, 9 de abril de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 60
Apresentamos Prato Vazio , de Marta Dinamite.
" A louça gemia, em grunhidos delicados, antes de se arrebentar toda no chão. Por entre cacos, dedos cortados e o olhar emputecido da patroa, a Garçonete 1 e a Garçonete 3 preparavam a pá, a vassoura e o saco de lixo. O leitor deve estar se perguntando sobre a Garçonete 2, quando será que ela vai pintar no texto. Infelizmente isto não será possível: ela foi demitida na semana passada. Bem na frente da cozinha, está o balcão do boteco. Um velho com bigodes amarelados, termina seu café com leite. Foi tudo o que ele consumiu: estava sem trocado para o ovo cozido de cor azul ou para uma fatia do bonito bolo de laranja. Na saída, O Velho dá uma piscadela para a triste prostitua que, sentada na primeira mesa, olha de modo despedaçado para o copo de conhaque.
" Mas, que coisa ! " Algum leitor irritado deve estar se perguntando: " Será que a autora não vai dar nome aos seus personagens ?". Em minha defesa como autora de literatura de esquerda, afirmo que isto não tem a menor diferença: a patroa poderia se chamar Susana, a Garçonete 1 poderia se chamar Maria, a Garçonete 2 poderia ser Josefina, o velho poderia se chamar José e a prostituta poderia ser Ana ou Amélia. E daí? Nomes dizem muito pouco na literatura e na vida quando o assunto é a desolação na sociedade capitalista: mesmo a louça quebrada, um copo, uma xícara e um prato, são objetos que só existem para quem possui dinheiro para pagar o que vem dentro deles(guaraná, café , feijão ou bife). A questão é que num enredo que toma a realidade como tema, existe sempre um vazio no estômago e na cabeça.
Naquela mesma tarde de louças quebradas, piscadela, sangue no dedo e olhar alcoilizado, nota-se um quadro absurdo feito de gente sofrida. Situações paradoxais: nuvens carregadas e corações secos, supermercados cheios de comida e mendigos raquíticos em volta, livros perdidos e analfabetos que mal conseguem ler o nome do seu bairro escrito no ônibus que aguardam. Tudo corriqueiro, vazio e sem sentido num país em que a escrita é usada para contabilizar e controlar. Aí, se descobrissem que as palavras podem ter cheiro de protesto e sonho... "
Marta Dinamite
" A louça gemia, em grunhidos delicados, antes de se arrebentar toda no chão. Por entre cacos, dedos cortados e o olhar emputecido da patroa, a Garçonete 1 e a Garçonete 3 preparavam a pá, a vassoura e o saco de lixo. O leitor deve estar se perguntando sobre a Garçonete 2, quando será que ela vai pintar no texto. Infelizmente isto não será possível: ela foi demitida na semana passada. Bem na frente da cozinha, está o balcão do boteco. Um velho com bigodes amarelados, termina seu café com leite. Foi tudo o que ele consumiu: estava sem trocado para o ovo cozido de cor azul ou para uma fatia do bonito bolo de laranja. Na saída, O Velho dá uma piscadela para a triste prostitua que, sentada na primeira mesa, olha de modo despedaçado para o copo de conhaque.
" Mas, que coisa ! " Algum leitor irritado deve estar se perguntando: " Será que a autora não vai dar nome aos seus personagens ?". Em minha defesa como autora de literatura de esquerda, afirmo que isto não tem a menor diferença: a patroa poderia se chamar Susana, a Garçonete 1 poderia se chamar Maria, a Garçonete 2 poderia ser Josefina, o velho poderia se chamar José e a prostituta poderia ser Ana ou Amélia. E daí? Nomes dizem muito pouco na literatura e na vida quando o assunto é a desolação na sociedade capitalista: mesmo a louça quebrada, um copo, uma xícara e um prato, são objetos que só existem para quem possui dinheiro para pagar o que vem dentro deles(guaraná, café , feijão ou bife). A questão é que num enredo que toma a realidade como tema, existe sempre um vazio no estômago e na cabeça.
Naquela mesma tarde de louças quebradas, piscadela, sangue no dedo e olhar alcoilizado, nota-se um quadro absurdo feito de gente sofrida. Situações paradoxais: nuvens carregadas e corações secos, supermercados cheios de comida e mendigos raquíticos em volta, livros perdidos e analfabetos que mal conseguem ler o nome do seu bairro escrito no ônibus que aguardam. Tudo corriqueiro, vazio e sem sentido num país em que a escrita é usada para contabilizar e controlar. Aí, se descobrissem que as palavras podem ter cheiro de protesto e sonho... "
Marta Dinamite
domingo, 2 de abril de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 59
Nem sempre aqueles que defendem a arte como instrumento de transformação das relações sociais, possuem um projeto político revolucionário. Dizer que a arte promove mudanças ou contribui com a educação dos homens, pode ser um esforço idealista em torno de palavras vazias. Um artista que deseje colocar sua obra como gesto de crítica e oposição à civilização capitalista, necessita de um entendimento materialista da arte e da história(ou melhor dizendo, da arte na história).
Devemos nos lembrar de que foi a burguesia revolucionária do século XVIII, quem atribuiu uma função política elevadora para a arte. Esta foi uma tarefa histórica da maior importância; porém, o sistema capitalista revelou novas contradições no processo histórico. Foi esta mesma burguesia que estabeleceu valores universais que, na sociedade capitalista, não possuem uma aplicação concreta: liberdade, igualdade e fraternidade são proclamados aos quatro ventos mas negados numa organização econômica baseada na exploração. Da mesma maneira que direitos não podem ser abstrações que unem falsamente os homens, a arte não pode ser encarada como um mundo ideal que nunca toca na realidade material. Para um artista revolucionário, o centro do problema é compreender quando a obra de arte torna-se uma força material, ou seja, quando a arte torna-se uma forma ideológica através da qual os trabalhadores tomam consciência sobre a necessidade de transformar as bases econômicas e políticas da sociedade.
Enquanto trabalho avançado, a arte não nasce de um mundo ideal: a fonte do estético não está nem no espírito e nem na natureza. Os objetos estéticos nascem de uma relação entre sujeito e matéria dada: a relação dialética contida no processo criador, resulta no enriquecimento da subjetividade, na afirmação do homem e na humanização da natureza. A arte pressupõe relações sociais, ou seja, a criação artística, embora relativamente autônoma, nunca se separa da base econômica de uma sociedade. Ainda que a ideologia da arte não resuma a necessidade da arte para o homem(assunto já tratado em outras edições deste periódico), a luta de classes impõe uma necessidade ideológica para a arte: através de inúmeras possibilidades estéticas, o artista deve compreender concretamente a realidade para assim criar obras que atuem sobre a percepção dos trabalhadores. Portanto, a arte não é uma iluminação que vem do céu, mas sim um esforço cultural necessário que articula-se de modo independente com as forças políticas interessadas em libertar a classe trabalhadora.
Devemos nos lembrar de que foi a burguesia revolucionária do século XVIII, quem atribuiu uma função política elevadora para a arte. Esta foi uma tarefa histórica da maior importância; porém, o sistema capitalista revelou novas contradições no processo histórico. Foi esta mesma burguesia que estabeleceu valores universais que, na sociedade capitalista, não possuem uma aplicação concreta: liberdade, igualdade e fraternidade são proclamados aos quatro ventos mas negados numa organização econômica baseada na exploração. Da mesma maneira que direitos não podem ser abstrações que unem falsamente os homens, a arte não pode ser encarada como um mundo ideal que nunca toca na realidade material. Para um artista revolucionário, o centro do problema é compreender quando a obra de arte torna-se uma força material, ou seja, quando a arte torna-se uma forma ideológica através da qual os trabalhadores tomam consciência sobre a necessidade de transformar as bases econômicas e políticas da sociedade.
Enquanto trabalho avançado, a arte não nasce de um mundo ideal: a fonte do estético não está nem no espírito e nem na natureza. Os objetos estéticos nascem de uma relação entre sujeito e matéria dada: a relação dialética contida no processo criador, resulta no enriquecimento da subjetividade, na afirmação do homem e na humanização da natureza. A arte pressupõe relações sociais, ou seja, a criação artística, embora relativamente autônoma, nunca se separa da base econômica de uma sociedade. Ainda que a ideologia da arte não resuma a necessidade da arte para o homem(assunto já tratado em outras edições deste periódico), a luta de classes impõe uma necessidade ideológica para a arte: através de inúmeras possibilidades estéticas, o artista deve compreender concretamente a realidade para assim criar obras que atuem sobre a percepção dos trabalhadores. Portanto, a arte não é uma iluminação que vem do céu, mas sim um esforço cultural necessário que articula-se de modo independente com as forças políticas interessadas em libertar a classe trabalhadora.
domingo, 26 de março de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 58
Apresentamos O Avesso do Cartão Postal, de Geraldo Vermelhão.
" E um sujo raio de sol tocou com patas grudentas o centro da cidade. De qual cidade? Na verdade pode ser a minha, a sua ou a cidade grande de qualquer outro brasileiro. Algum leitor poderia contestar esta afirmação, visto que cada cidade possui sua história, suas peculiaridades econômicas e culturais. Devo discordar parcialmente: apesar destas condições históricas serem de grande importância, a verdade é que a iluminação precária do sol que não toma banho, coloca todas as cidades brasileiras da atualidade sob uma mesma imagem miserável. Permitam agora detalhar esta questão.
Uma blusa de moletom, verde claro e com estampas vermelhas gastas, aparece abandonada no meio de uma grande avenida. Dá pra sentir o tremor do dono desta peça de roupa abandonada: viciado e de olhos que circulam como moscas, um mendigo consegue deixar seu sofrimento físico, seu suor esfumaçado, na blusa abandonada. Na praça ao lado, crianças famintas saltam loucamente num chafariz sem água. Poucos metros dali, é a última catarrada de um senhor aposentado, que sentado no banco danificado, tenta inutilmente se lembrar quantas horas dos seus 50 anos de trabalho foram roubadas pelos serviços prestados na fábrica, no supermercado, na feira, na construção civil e em tantos outros lugares.
Do alto, o centro da cidade assemelha-se a uma paisagem de guerra. Os edifícios gastos, as ruas e os peitos dos transeuntes esburacados. Pombas que voam em torno da Igreja são lentamente devoradas por piolhos, enquanto ex-garrafas de refrigerante contendo cachaça, são passadas ritualisticamente de mão em mão. Um sem teto alucinado improvisa um discurso embriagado. Em cada esquina promoções e o medo do inferno. Em volta do centro da cidade, bairros de classe média com todas as promessas do status e do sucesso individual. Nos bairros populares, as mesmas promessas contrastam com a realidade concreta. Um desempregado não é mais dono dos seus passos: são as contas do mês que empurram seus pés para frente, em direção a nenhum lugar.
Isso é tudo? Não cabe mais nada no retrato? Claro, existem feudos eletrônicos, aonde a burguesia constrói sua própria galáxia cultural, distante da blusa mal cheirosa de um mendigo ".
Geraldo Vermelhão
" E um sujo raio de sol tocou com patas grudentas o centro da cidade. De qual cidade? Na verdade pode ser a minha, a sua ou a cidade grande de qualquer outro brasileiro. Algum leitor poderia contestar esta afirmação, visto que cada cidade possui sua história, suas peculiaridades econômicas e culturais. Devo discordar parcialmente: apesar destas condições históricas serem de grande importância, a verdade é que a iluminação precária do sol que não toma banho, coloca todas as cidades brasileiras da atualidade sob uma mesma imagem miserável. Permitam agora detalhar esta questão.
Uma blusa de moletom, verde claro e com estampas vermelhas gastas, aparece abandonada no meio de uma grande avenida. Dá pra sentir o tremor do dono desta peça de roupa abandonada: viciado e de olhos que circulam como moscas, um mendigo consegue deixar seu sofrimento físico, seu suor esfumaçado, na blusa abandonada. Na praça ao lado, crianças famintas saltam loucamente num chafariz sem água. Poucos metros dali, é a última catarrada de um senhor aposentado, que sentado no banco danificado, tenta inutilmente se lembrar quantas horas dos seus 50 anos de trabalho foram roubadas pelos serviços prestados na fábrica, no supermercado, na feira, na construção civil e em tantos outros lugares.
Do alto, o centro da cidade assemelha-se a uma paisagem de guerra. Os edifícios gastos, as ruas e os peitos dos transeuntes esburacados. Pombas que voam em torno da Igreja são lentamente devoradas por piolhos, enquanto ex-garrafas de refrigerante contendo cachaça, são passadas ritualisticamente de mão em mão. Um sem teto alucinado improvisa um discurso embriagado. Em cada esquina promoções e o medo do inferno. Em volta do centro da cidade, bairros de classe média com todas as promessas do status e do sucesso individual. Nos bairros populares, as mesmas promessas contrastam com a realidade concreta. Um desempregado não é mais dono dos seus passos: são as contas do mês que empurram seus pés para frente, em direção a nenhum lugar.
Isso é tudo? Não cabe mais nada no retrato? Claro, existem feudos eletrônicos, aonde a burguesia constrói sua própria galáxia cultural, distante da blusa mal cheirosa de um mendigo ".
Geraldo Vermelhão
domingo, 19 de março de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 57
Quando nos referimos à teoria estética realizada dentro do pensamento marxista, é comum que algumas pessoas estejam presas à caricaturas. É como se o campo de atuação do marxismo na esfera da arte e da literatura, contemplasse somente as imagens de trabalhadores em greve, lutando contra burgueses que babam dinheiro. Sem dúvida que a luta de classes é o cerne da reflexão marxista, inclusive no âmbito da estética. Entretanto, o marxismo dá conta de uma análise crítica de uma série de situações da cultura contemporânea.
A esfera estética contemplada pelo marxismo, é capaz de avaliar inúmeros fenômenos que ocultam os mecanismos de alienação e controle político. Se as obras de arte que tematizam os conflitos entre capital e trabalho recebem destaque, isto deve-se evidentemente a uma necessidade militante: o projeto estético de qualquer artista ou teórico marxista, objetiva interferir na consciência da classe trabalhadora; logo a arte possui um necessário papel político que deve permitir o reconhecimento da miséria gerada pelo capitalismo.
Ao mesmo tempo, o marxismo também se interessa por uma série de outras questões estéticas que nem sempre colocam em relevo as lutas entre burguesia e trabalhadores: o sentido da criação artística no capitalismo, as relações entre arte e trabalho, as formas de revolta cultural expressas na linguagem artística, a manipulação de massa através de recursos estéticos, estão entre alguns dos temas recorrentes nos estudos dos marxistas interessados em problemas artísticos. Fundamental é compreender que para o materialismo histórico dialético, a arte não é um fenômeno isolado das esferas econômica e política. Sendo assim, o papel militante do marxismo na esfera do estético possui uma infinidade de objetos. A realização humana, a afirmação do homem por meio da arte, são questões negadas pelo capitalismo; logo esta situação histórica deve colocar o artista como adversário da sociedade de classes. Portanto, a reflexão artística que o marxismo apresenta não é caricatura: as lutas sociais não são desculpas temáticas mas assuntos necessários para realizarmos a arte do nosso tempo.
A esfera estética contemplada pelo marxismo, é capaz de avaliar inúmeros fenômenos que ocultam os mecanismos de alienação e controle político. Se as obras de arte que tematizam os conflitos entre capital e trabalho recebem destaque, isto deve-se evidentemente a uma necessidade militante: o projeto estético de qualquer artista ou teórico marxista, objetiva interferir na consciência da classe trabalhadora; logo a arte possui um necessário papel político que deve permitir o reconhecimento da miséria gerada pelo capitalismo.
Ao mesmo tempo, o marxismo também se interessa por uma série de outras questões estéticas que nem sempre colocam em relevo as lutas entre burguesia e trabalhadores: o sentido da criação artística no capitalismo, as relações entre arte e trabalho, as formas de revolta cultural expressas na linguagem artística, a manipulação de massa através de recursos estéticos, estão entre alguns dos temas recorrentes nos estudos dos marxistas interessados em problemas artísticos. Fundamental é compreender que para o materialismo histórico dialético, a arte não é um fenômeno isolado das esferas econômica e política. Sendo assim, o papel militante do marxismo na esfera do estético possui uma infinidade de objetos. A realização humana, a afirmação do homem por meio da arte, são questões negadas pelo capitalismo; logo esta situação histórica deve colocar o artista como adversário da sociedade de classes. Portanto, a reflexão artística que o marxismo apresenta não é caricatura: as lutas sociais não são desculpas temáticas mas assuntos necessários para realizarmos a arte do nosso tempo.
domingo, 12 de março de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 56
Segue abaixo o texto Caminhando na roça asfaltada, de José Ferroso.
" Bento vinha caminhando preguiçosamente pela estrada. Era madrugada de sábado, dia de cachaça e arrasta pé. A lua redonda feito barriga de criança que come terra, quicava por cima do canavial. Bento tinha mãos que não sentiam mais dor: eram os espinhos que fugiam delas. Empregado de uma fazenda, ele era um sujeito até então de pouca fala. Mas agora ele queria falar. Talvez fosse a lua, talvez fosse a cachaça, talvez fosse o perfume de sua noiva Maria, mas não era nada disso: Bento precisava falar sobre seus caminhos, sobre os caminhos dos seus parentes, dos seus vizinhos, do povo da redondeza.
Bento coçava a barba por fazer e tentava entender: - Tem máquina na roça, tem gente com celular na roça e na cidade. É tanta novidade no meio da fome, no meio de gente que assiste televisão e quase num tem dente na boca.
Quando aproximava-se de uma porteira, Bento viu um farol de moto na sua direção. Era seu compadre Sebastião:
- Eita, que Bento tá voltando da farra! Cabra safado...
- É... Tô aqui com os meu pensamento... Rapaz, e essa moto? Cadê o jegue?
- Juntamo uns caraminguá lá em casa, vendemo o jegue e decidimo comprá essa moto usada. Faz mais baruio e vai mais rápido que o bichinho.
- E não saiu caro?
- Mas vida de homi trabaiadô é anssim : guarda o feijão do roçado, fica uns dois meis sem cumê galinha, colhe uma mandioca e vamô tocando...
- Tá certo mano véio. Inté mais vê !
Bento seguiu sua caminhada solitária, pensando nas máquinas que chegam no sertão sem que a vida do povo mude. Ele sentia que precisava acontecer algo novo, um outro tipo de novidade. Muito mais que moto e celular. "
José Ferroso
" Bento vinha caminhando preguiçosamente pela estrada. Era madrugada de sábado, dia de cachaça e arrasta pé. A lua redonda feito barriga de criança que come terra, quicava por cima do canavial. Bento tinha mãos que não sentiam mais dor: eram os espinhos que fugiam delas. Empregado de uma fazenda, ele era um sujeito até então de pouca fala. Mas agora ele queria falar. Talvez fosse a lua, talvez fosse a cachaça, talvez fosse o perfume de sua noiva Maria, mas não era nada disso: Bento precisava falar sobre seus caminhos, sobre os caminhos dos seus parentes, dos seus vizinhos, do povo da redondeza.
Bento coçava a barba por fazer e tentava entender: - Tem máquina na roça, tem gente com celular na roça e na cidade. É tanta novidade no meio da fome, no meio de gente que assiste televisão e quase num tem dente na boca.
Quando aproximava-se de uma porteira, Bento viu um farol de moto na sua direção. Era seu compadre Sebastião:
- Eita, que Bento tá voltando da farra! Cabra safado...
- É... Tô aqui com os meu pensamento... Rapaz, e essa moto? Cadê o jegue?
- Juntamo uns caraminguá lá em casa, vendemo o jegue e decidimo comprá essa moto usada. Faz mais baruio e vai mais rápido que o bichinho.
- E não saiu caro?
- Mas vida de homi trabaiadô é anssim : guarda o feijão do roçado, fica uns dois meis sem cumê galinha, colhe uma mandioca e vamô tocando...
- Tá certo mano véio. Inté mais vê !
Bento seguiu sua caminhada solitária, pensando nas máquinas que chegam no sertão sem que a vida do povo mude. Ele sentia que precisava acontecer algo novo, um outro tipo de novidade. Muito mais que moto e celular. "
José Ferroso
domingo, 5 de março de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 55
Nos 100 anos da Revolução russa, não faltam intelectuais que procuram manchar com tintas reacionárias o significado histórico deste evento. Perante a necessidade de preservarmos as imagens revolucionárias e divulgarmos as experiências artísticas soviéticas, acreditamos que os militantes da cultura devem:
1- Expor a Revolução de 1917 enquanto dilúvio político e cultural que emancipou o proletariado russo
2- Rebater críticos reacionários que tentam colocar no mesmo saco cultural a arte revolucionária e o Realismo Socialista
3- Mostrar para as novas gerações as experiências estéticas de ruptura, presentes em movimentos como o Construtivismo russo
4- Defender e divulgar o ponto de vista de escritores, artistas e teóricos soviéticos que foram vítimas do stalinismo
5- Estudar o cinema soviético dos anos 20 e compreender porque ele é o oposto do cinema hollywoodiano
6- Estudar os cartazes soviéticos de vanguarda para redefinir o sentido da arte de agitação e propaganda
7- Buscar na poesia de Maiakóvski a coerência entre forma revolucionária e conteúdo revolucionário
8- Buscar no teatro de Meyerhold a fusão entre vanguarda e arte popular
9- Colocar em debate o conceito de arte proletária
10- Refletir sobre a utilização da geometria e da fotomontagem na elaboração das formas de arte revolucionária
1- Expor a Revolução de 1917 enquanto dilúvio político e cultural que emancipou o proletariado russo
2- Rebater críticos reacionários que tentam colocar no mesmo saco cultural a arte revolucionária e o Realismo Socialista
3- Mostrar para as novas gerações as experiências estéticas de ruptura, presentes em movimentos como o Construtivismo russo
4- Defender e divulgar o ponto de vista de escritores, artistas e teóricos soviéticos que foram vítimas do stalinismo
5- Estudar o cinema soviético dos anos 20 e compreender porque ele é o oposto do cinema hollywoodiano
6- Estudar os cartazes soviéticos de vanguarda para redefinir o sentido da arte de agitação e propaganda
7- Buscar na poesia de Maiakóvski a coerência entre forma revolucionária e conteúdo revolucionário
8- Buscar no teatro de Meyerhold a fusão entre vanguarda e arte popular
9- Colocar em debate o conceito de arte proletária
10- Refletir sobre a utilização da geometria e da fotomontagem na elaboração das formas de arte revolucionária
domingo, 26 de fevereiro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 54
Nosso colaborador Lenito apresenta A Carne que Dança é a Carne que luta, uma experiência literária para este carnaval de 2017:
" Rosa não acordou porque nem dormiu, mas desabrochou cheia de energia. Eram 16 h do sábado de carnaval: Rosa, Otávio e José estavam virados. Eram 3 jovens amaciando com pinga e cerveja a carne dos seus corpos machucados pelo trampo pesado. Partiram e esqueceram a porta da pensão aberta. Pelas ruas do centro antigo, mergulharam numa celebração desesperada. Um motociclista buzinou pra Rosa; José, com olhos miúdos de bêbado e a cabeleira sacudindo ao vento, exclamou:
- Isso, meu fio: buzina, bota o motor dessa moto pra gemer, faz barulho pra acordá a avenida ! ".
Os três juntaram-se a um bloco popular que adentrava por uma praça enorme. Otávio tinha a sensação de que a praça era bem maior do que no dia a dia, quando ele a atravessava correndo de madrugada para chegar a tempo no serviço:
- Eita, que essa praça cresceu por demais!As arvore parece mais troncuda, mais cheia de gaio. Tem até passarinho com vontade de sambar! Hoje ninguém volta pro ninho!
Rosa concordando, deu uma soluçada, riu com dentes de fogo e respondeu:
- Ah, Otávio... É que tudo fica vivo, tudo fica gostoso no carnaval. Olha esse povo, como se sacode inteiro! Num é como aquele formigueiro triste dos dias de semana.
José, abraçando o amigo, disse:
- Tudo fica vivo, rapaz. Num tem esse negócio de olhar pro relógio.
Era como se os participantes do bloco desejassem que um santo descesse armado na terra e descarregasse uma pistola-automática-benta contra todos os relógios da cidade! O trio procurava a todo custo manter o alto astral. Mas essa era uma tarefa difícil conforme o bloco zanzava pelas ruas da cidade. Mendigos atirados no chão,gente esfarrapada, noias com olhos trêmulos e crianças famintas olhavam a festa móvel como um extraterrestre colorido. Rosa, Otávio e José tentavam animar: gritavam, rebolavam, atiravam confetes e serpentinas que pousavam sobre paralelepípedos gastos, fios desencapados, buracos na rua, lixo e fezes.
O bloco passava em frente aos bares. Nos botecos, bêbados punham os cavaquinhos embaixo do braço e saudavam a brava missão de sorrir no meio da miséria. Já nos bares de classe média, clientes sentados nas mesas ouviam suas marchinhas clássicas. Era o lado seguro do carnaval, " o bom gosto " do feriado. A organização da orgia privada. Ala vip da carne humana. Esnobes tiravam seus celulares do bolso e fotografavam/filmavam o bloco como um zoológico ambulante da classe trabalhadora. Rosa, Otávio e José não escondiam seu rancor diante destes espectadores esnobes. Quando o bloco chegou numa rua escura, já engolida pela escuridão da noite, Rosa pisou num caco de uma garrafa estourada e começou a gritar outras dores, dores que ela nunca pensou em verbalizar:
- Cara, como dói!
.Os dois rapazes apoiaram Rosa nos ombros suados e foram para o canto de uma calçada. Otávio disse:
- Ara Rosa, é um corte de nada. Vamos até a uma farmácia.
Compraram medicamentos e José fez um ótimo curativo. Mas Rosa ainda chorava. Otávio perguntou:
- Ô minha linda... Chorando por quê ?
Rosa olhou para os dois companheiros de farra e disse numa estranha serenidade:
- Tudo dói. Num sei nem por onde começar. Mas uma coisa eu digo a vocês dois: depois que a folia acabar, vou continuar sambando. Num quero ser formiga! "
Lenito
" Rosa não acordou porque nem dormiu, mas desabrochou cheia de energia. Eram 16 h do sábado de carnaval: Rosa, Otávio e José estavam virados. Eram 3 jovens amaciando com pinga e cerveja a carne dos seus corpos machucados pelo trampo pesado. Partiram e esqueceram a porta da pensão aberta. Pelas ruas do centro antigo, mergulharam numa celebração desesperada. Um motociclista buzinou pra Rosa; José, com olhos miúdos de bêbado e a cabeleira sacudindo ao vento, exclamou:
- Isso, meu fio: buzina, bota o motor dessa moto pra gemer, faz barulho pra acordá a avenida ! ".
Os três juntaram-se a um bloco popular que adentrava por uma praça enorme. Otávio tinha a sensação de que a praça era bem maior do que no dia a dia, quando ele a atravessava correndo de madrugada para chegar a tempo no serviço:
- Eita, que essa praça cresceu por demais!As arvore parece mais troncuda, mais cheia de gaio. Tem até passarinho com vontade de sambar! Hoje ninguém volta pro ninho!
Rosa concordando, deu uma soluçada, riu com dentes de fogo e respondeu:
- Ah, Otávio... É que tudo fica vivo, tudo fica gostoso no carnaval. Olha esse povo, como se sacode inteiro! Num é como aquele formigueiro triste dos dias de semana.
José, abraçando o amigo, disse:
- Tudo fica vivo, rapaz. Num tem esse negócio de olhar pro relógio.
Era como se os participantes do bloco desejassem que um santo descesse armado na terra e descarregasse uma pistola-automática-benta contra todos os relógios da cidade! O trio procurava a todo custo manter o alto astral. Mas essa era uma tarefa difícil conforme o bloco zanzava pelas ruas da cidade. Mendigos atirados no chão,gente esfarrapada, noias com olhos trêmulos e crianças famintas olhavam a festa móvel como um extraterrestre colorido. Rosa, Otávio e José tentavam animar: gritavam, rebolavam, atiravam confetes e serpentinas que pousavam sobre paralelepípedos gastos, fios desencapados, buracos na rua, lixo e fezes.
O bloco passava em frente aos bares. Nos botecos, bêbados punham os cavaquinhos embaixo do braço e saudavam a brava missão de sorrir no meio da miséria. Já nos bares de classe média, clientes sentados nas mesas ouviam suas marchinhas clássicas. Era o lado seguro do carnaval, " o bom gosto " do feriado. A organização da orgia privada. Ala vip da carne humana. Esnobes tiravam seus celulares do bolso e fotografavam/filmavam o bloco como um zoológico ambulante da classe trabalhadora. Rosa, Otávio e José não escondiam seu rancor diante destes espectadores esnobes. Quando o bloco chegou numa rua escura, já engolida pela escuridão da noite, Rosa pisou num caco de uma garrafa estourada e começou a gritar outras dores, dores que ela nunca pensou em verbalizar:
- Cara, como dói!
.Os dois rapazes apoiaram Rosa nos ombros suados e foram para o canto de uma calçada. Otávio disse:
- Ara Rosa, é um corte de nada. Vamos até a uma farmácia.
Compraram medicamentos e José fez um ótimo curativo. Mas Rosa ainda chorava. Otávio perguntou:
- Ô minha linda... Chorando por quê ?
Rosa olhou para os dois companheiros de farra e disse numa estranha serenidade:
- Tudo dói. Num sei nem por onde começar. Mas uma coisa eu digo a vocês dois: depois que a folia acabar, vou continuar sambando. Num quero ser formiga! "
Lenito
domingo, 19 de fevereiro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 53
Marx comprovou em sua análise como o capitalismo é um sistema hostil à arte e à literatura. Para quem conhece um pouquinho da história do século passado, sabe que tal hostilidade não se restringe à mercantilização das expressões artísticas, mas atinge em cheio a liberdade dos artistas de esquerda. Isto pode ser facilmente comprovado a partir de inúmeros documentos que integram tanto arquivos dos órgãos de repressão dos regimes militares(algo muito conhecido no Brasil, que só no século XX viveu 2 ditaduras) quanto os arquivos da Inteligência norte americana. O jornal Folha de São Paulo, na edição de 11/02/17, trouxe num artigo assinado por Paula Sperb, trechos de documentos da CIA que tratam do monitoramento que o escritor brasileiro Jorge Amado foi alvo durante os primeiros anos da guerra fria. Pode parecer um exemplo distante no tempo e no espaço. Porém, num momento em que a extrema direita sai do armário nos EUA, na Europa e até no Brasil, relembrar as práticas repressivas contra escritores e artistas é, no mínimo, um aviso político para a juventude e os trabalhadores.
Chamado pela de CIA de " garoto de recado " dos comunistas, Jorge Amado é o mais célebre escritor militante nacional cujos romances eram expressões do seu engajamento intelectual orientado pela estética do Realismo Socialista. Mesmo com o fim da União Soviética, tudo indica que na América de Donald Trump, este tipo de literatura ainda deve ser motivo de ultraje para conservadores. É fato que os mais avançados debates estéticos da esquerda, demonstram claramente as limitações técnicas, as distorções da narrativa e a fragilidade do teto de vidro da literatura jdanovista. Mas a crítica ao modelo de romance que Jorge Amado apresenta entre os anos 30 e início de 50(crítica esta empreendida pelos setores mais culturalmente esclarecidos da esquerda, sobretudo pelos trotskistas: o trotskismo é a escola política mais consistente para a realização das reflexões estéticas de ordem marxista), não retira o caráter revolucionário e inovador da literatura de Jorge Amado: em seus primeiros romances (tais como Cacau, Suor e Jubiabá) Jorge Amado apresenta de modo original e envolvente a cultura popular baiana sob o prisma da luta de classes. Ainda que sob o ponto de vista estético, a literatura revolucionária no Brasil possua nomes mais ousados/radicais(tais como Patrícia Galvão e Oswald de Andrade) a obra de Jorge Amado é de grande importância.
O controle ideológico que a classe dominante realiza sobre a cultura, não dispensa a repressão policial: vigilância e censura caracterizam o aparato burguês. Termos em mãos os exemplos de repressão e controle do passado, permite realizar hoje a crítica contra o conservadorismo reinante.
Chamado pela de CIA de " garoto de recado " dos comunistas, Jorge Amado é o mais célebre escritor militante nacional cujos romances eram expressões do seu engajamento intelectual orientado pela estética do Realismo Socialista. Mesmo com o fim da União Soviética, tudo indica que na América de Donald Trump, este tipo de literatura ainda deve ser motivo de ultraje para conservadores. É fato que os mais avançados debates estéticos da esquerda, demonstram claramente as limitações técnicas, as distorções da narrativa e a fragilidade do teto de vidro da literatura jdanovista. Mas a crítica ao modelo de romance que Jorge Amado apresenta entre os anos 30 e início de 50(crítica esta empreendida pelos setores mais culturalmente esclarecidos da esquerda, sobretudo pelos trotskistas: o trotskismo é a escola política mais consistente para a realização das reflexões estéticas de ordem marxista), não retira o caráter revolucionário e inovador da literatura de Jorge Amado: em seus primeiros romances (tais como Cacau, Suor e Jubiabá) Jorge Amado apresenta de modo original e envolvente a cultura popular baiana sob o prisma da luta de classes. Ainda que sob o ponto de vista estético, a literatura revolucionária no Brasil possua nomes mais ousados/radicais(tais como Patrícia Galvão e Oswald de Andrade) a obra de Jorge Amado é de grande importância.
O controle ideológico que a classe dominante realiza sobre a cultura, não dispensa a repressão policial: vigilância e censura caracterizam o aparato burguês. Termos em mãos os exemplos de repressão e controle do passado, permite realizar hoje a crítica contra o conservadorismo reinante.
domingo, 12 de fevereiro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 52
Dando continuidade ao que começamos a realizar na edição retrasada(Edição 50), segue abaixo mais um pequeno exercício literário de esquerda. A autora, que assina com o pseudônimo de Marta Dinamite, pertence ao grupo do nosso blog.
" Podem digitalizar o quanto quiserem as velhas chaminés das fábricas. No final do dia, fico sempre com a cabeça quebrada, os olhos afundados nas duas crateras da cara e com as mãos pesadas feito chumbo. Trampo é trampo, mais valia é mais valia. Estou sendo uma marxista dramática? Calma aí cara, preciso desabafar.
Como é que eu recarrego as minhas baterias? Dormir nem pensar: a noite é o único momento bom para ficar acordada, não concorda?. Se eu pudesse mastigava os fios dos postes ou deixava que a eletricidade da cidade entrasse toda no meu corpo, acabando com a luz dos bairros burgueses.
Minha mandíbula não é de nada para este bife duro da minha marmita... Dar uma dentada num tijolo qualquer seria mais sensato e o gosto não seria lá muito diferente. Frescura? Então pega um pedaço e sente o gosto! Na semana passada fiquei perdida num super mercado: eu não tinha grana para comprar nada e não conseguia achar a saída. Prateleiras eram mãos perfumadas que queriam quebrar o meu pescoço. Quer saber? Ando tão sem grana que se eu morresse não haveria enterro mas um despejo barato para debaixo da terra.
Você acha que estou com chororô? Então paga o meu feijão, cara! Ah, você também está sem grana? Então como é? O que nós dois, três, quatro(e vai somando até chegar na faixa dos milhões de trabalhadores ferrados) vamos fazer? Tá, podemos rezar, encher a cara, etc e tal. Calma: não estou debochando! Não tenho nada contra isso. O que você disse? Ah, agora é você quem está debochando: o fato de eu ser de esquerda, faz com que você pense que eu queira te doutrinar, que eu queira te convencer que a única saída é a política. Falou, então você não faz política? Qual é a sua classe? Não, não: não estou falando de time de futebol ou dos seus brothers lá do bairro. O que eu e você temos em comum, além da minha marmita e da sua? Toma: pega um pedaço do meu bife e vamos bater um papo sobre política ".
Marta Dinamite
" Podem digitalizar o quanto quiserem as velhas chaminés das fábricas. No final do dia, fico sempre com a cabeça quebrada, os olhos afundados nas duas crateras da cara e com as mãos pesadas feito chumbo. Trampo é trampo, mais valia é mais valia. Estou sendo uma marxista dramática? Calma aí cara, preciso desabafar.
Como é que eu recarrego as minhas baterias? Dormir nem pensar: a noite é o único momento bom para ficar acordada, não concorda?. Se eu pudesse mastigava os fios dos postes ou deixava que a eletricidade da cidade entrasse toda no meu corpo, acabando com a luz dos bairros burgueses.
Minha mandíbula não é de nada para este bife duro da minha marmita... Dar uma dentada num tijolo qualquer seria mais sensato e o gosto não seria lá muito diferente. Frescura? Então pega um pedaço e sente o gosto! Na semana passada fiquei perdida num super mercado: eu não tinha grana para comprar nada e não conseguia achar a saída. Prateleiras eram mãos perfumadas que queriam quebrar o meu pescoço. Quer saber? Ando tão sem grana que se eu morresse não haveria enterro mas um despejo barato para debaixo da terra.
Você acha que estou com chororô? Então paga o meu feijão, cara! Ah, você também está sem grana? Então como é? O que nós dois, três, quatro(e vai somando até chegar na faixa dos milhões de trabalhadores ferrados) vamos fazer? Tá, podemos rezar, encher a cara, etc e tal. Calma: não estou debochando! Não tenho nada contra isso. O que você disse? Ah, agora é você quem está debochando: o fato de eu ser de esquerda, faz com que você pense que eu queira te doutrinar, que eu queira te convencer que a única saída é a política. Falou, então você não faz política? Qual é a sua classe? Não, não: não estou falando de time de futebol ou dos seus brothers lá do bairro. O que eu e você temos em comum, além da minha marmita e da sua? Toma: pega um pedaço do meu bife e vamos bater um papo sobre política ".
Marta Dinamite
domingo, 5 de fevereiro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 51
100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA: Cinema e Bolchevismo
O centenário da Revolução soviética levanta uma reflexão histórica sobre as heranças e as referências do movimento operário internacional. Como não poderia deixar de ser, fazemos questão de reivindicar junto a outros militantes da cultura, a perspectiva estética revolucionária presente neste evento histórico. Escolhemos como uma importante porta de entrada para o processo revolucionário russo, o cinema soviético dos anos 20. Convidamos a todos para assistir no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas, a um ciclo mensal de filmes: trata-se de uma seleção de obras de autores pioneiros na relização do cinema revolucionário.
Diferentemente das revoluções anteriores, a Revolução russa de 1917 e os esforços para erguer a União Soviética, compreendem pela primeira vez na história a participação política do cinema: sendo uma arte que despontou no século XX, o cinema não apenas testemunha/registra a luta do movimento operário russo, como afirma-se enquanto instrumento privilegiado que contribui com uma educação comunista. Sendo assim, assistir/rever/estudar/debater filmes de Eisenstein, Vertov e Pudovkin, constituem parte significativa do debate histórico sobre o significado político/cultural da Revolução russa.
O cinema, considerado por Lênin como " a mais importante de todas as artes ", precisa receber a devida atenção dos militantes de esquerda neste centenário da Revolução. Os filmes serão exibidos nas tardes de sábado, na sessão das 16 h do MIS Campinas. Em breve, mais informações sobre a programação.
O centenário da Revolução soviética levanta uma reflexão histórica sobre as heranças e as referências do movimento operário internacional. Como não poderia deixar de ser, fazemos questão de reivindicar junto a outros militantes da cultura, a perspectiva estética revolucionária presente neste evento histórico. Escolhemos como uma importante porta de entrada para o processo revolucionário russo, o cinema soviético dos anos 20. Convidamos a todos para assistir no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas, a um ciclo mensal de filmes: trata-se de uma seleção de obras de autores pioneiros na relização do cinema revolucionário.
Diferentemente das revoluções anteriores, a Revolução russa de 1917 e os esforços para erguer a União Soviética, compreendem pela primeira vez na história a participação política do cinema: sendo uma arte que despontou no século XX, o cinema não apenas testemunha/registra a luta do movimento operário russo, como afirma-se enquanto instrumento privilegiado que contribui com uma educação comunista. Sendo assim, assistir/rever/estudar/debater filmes de Eisenstein, Vertov e Pudovkin, constituem parte significativa do debate histórico sobre o significado político/cultural da Revolução russa.
O cinema, considerado por Lênin como " a mais importante de todas as artes ", precisa receber a devida atenção dos militantes de esquerda neste centenário da Revolução. Os filmes serão exibidos nas tardes de sábado, na sessão das 16 h do MIS Campinas. Em breve, mais informações sobre a programação.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 50
Atendendo ao pedido de um colaborar do blog, decidimos fazer nesta Edição 50 algo até então inédito: publicar textos literários. Como o leitor sabe, nossa publicação destina-se quase que exclusivamente à teoria estética, aos problemas da reflexão artística no campo do marxismo. Sem deixar esta proposta de lado, decidimos que não existe nenhum contratempo em publicar literatura que se propõe a ser revolucionária ou pelo menos hostil ao presente mundo capitalista. Segue o texto em prosa(sem título, conforme as instruções passadas pelos autor que assina com o seu velho pseudônimo de Geraldo Vermelhão).
" A transição entre a noite e a manhã rompe sob a forma de luz intestinal e fumaça estomacal. Por volta das 5:45 h , carrego em minha mochila, de intenções asfixiantes, a marmita desbotada que preparei na noite anterior. Nas ruas um estranho movimento entre sombras e pássaros pirados, entre mendigos-restos da noite e operários a serem moídos ao longo do dia. Uma garrafa quebrada e uma lâmpada que corta a testa. Acordar e dormir, ou nunca dormir, nunca foi o problema: o problema maior está no sol que se recusa em anunciar mudanças no enredo dos dias.
Um pão de queijo borrachudo é órfão de um pneu furado. Crianças de colo choram num megafone, indiferentes às mãos calosas de mães que protegem seus filhos e duelam a chuva com o sombrinhas furadas e golpeiam as ratazanas com gastas sandálias. Às 6: 10 h o busão transborda num vapor de cachaça, com bonés maquiando olheiras, soldados calados, cabelos oleosos, conversas sobre um gol que poderia ter sido(mas não foi) e fones de ouvido que teletransportam sons de sanfona e cavaquinhos que arrancam fatias do peito quebrado. Gosto de ambos(sanfona e cavaquinho), que na realidade são analgésicos para aguentar um caro itinerário até o trabalho. Quanto ao futebol,não gosto muito. Os gols sufocados são máscaras de gritos que não saem da minha garganta.
A campainha que indica para o busão parar nos pontos, grita ignorando o orvalho chorado que desce mudo pela janela. Às vezes tiro um braço de ferro com riquezas que não sei aonde estão. Sempre perco. Mas com ou sem braço sempre topo um braço de ferro com gente rica ".
Geraldo Vermelhão.
" A transição entre a noite e a manhã rompe sob a forma de luz intestinal e fumaça estomacal. Por volta das 5:45 h , carrego em minha mochila, de intenções asfixiantes, a marmita desbotada que preparei na noite anterior. Nas ruas um estranho movimento entre sombras e pássaros pirados, entre mendigos-restos da noite e operários a serem moídos ao longo do dia. Uma garrafa quebrada e uma lâmpada que corta a testa. Acordar e dormir, ou nunca dormir, nunca foi o problema: o problema maior está no sol que se recusa em anunciar mudanças no enredo dos dias.
Um pão de queijo borrachudo é órfão de um pneu furado. Crianças de colo choram num megafone, indiferentes às mãos calosas de mães que protegem seus filhos e duelam a chuva com o sombrinhas furadas e golpeiam as ratazanas com gastas sandálias. Às 6: 10 h o busão transborda num vapor de cachaça, com bonés maquiando olheiras, soldados calados, cabelos oleosos, conversas sobre um gol que poderia ter sido(mas não foi) e fones de ouvido que teletransportam sons de sanfona e cavaquinhos que arrancam fatias do peito quebrado. Gosto de ambos(sanfona e cavaquinho), que na realidade são analgésicos para aguentar um caro itinerário até o trabalho. Quanto ao futebol,não gosto muito. Os gols sufocados são máscaras de gritos que não saem da minha garganta.
A campainha que indica para o busão parar nos pontos, grita ignorando o orvalho chorado que desce mudo pela janela. Às vezes tiro um braço de ferro com riquezas que não sei aonde estão. Sempre perco. Mas com ou sem braço sempre topo um braço de ferro com gente rica ".
Geraldo Vermelhão.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 49
O fato de atravessarmos uma grave crise econômica exige que expliquemos, constantemente, as preocupações em torno da arte e da literatura. Já demos provas que nossas motivações ideológicas dispensam taras por bibelôs. A exigência política para aqueles que se dedicam, quando podem, à literatura ou ao cinema, por exemplo, torna-se cristalina quando nos deparamos com o seguinte problema: a representação da realidade por meio de narrativas.
Alguém poderia afirmar que esta é uma questão artisticamente superada; ou então que num mundo com tantas histórias registradas diariamente, por meio de palavras e imagens, de que adiantaria uma narrativa politizada? Mas acontece que raramente se pergunta quem são em grande parte os autores das narrativas das histórias contadas, escritas e filmadas. O fato de muitos escritores viverem nos limites formalistas da arte, acarreta geralmente na elaboração de enredos individualistas, soltos no relativismo das impressões pessoais(e inclusive pessimistas) da realidade. Alguns poderiam achar que estamos insistindo num problema bizantino: a oposição entre objetividade e subjetividade. De jeito nenhum!
De nossa parte existem 2 questões programáticas: 1- Organizar as narrativas dos oprimidos. Estas não podem ser meras impressões do real, mas ações políticas que contrastam rigorosamente com as narrativas que expressam a ideologia da classe dominante. 2- Defender a legitimidade da dialética entre a representação do mundo objetivo e a subjetividade de quem o narra; sendo que a objetividade absoluta é um mito. Se o subjetivismo leva muitas vezes à fuga, não se pode desconsiderar no campo da criação literária a interferência das emoções, da formação intelectual, da ideologia e do temperamento sexual de quem narra. A busca por obras literárias capazes de interferir na vida política passa obrigatoriamente pela pesquisa de recursos estéticos(invenção) e pelo desejo de reconstituir e ao mesmo tempo denunciar a opressão na sociedade capitalista. Voltaremos ao assunto em breve.
Alguém poderia afirmar que esta é uma questão artisticamente superada; ou então que num mundo com tantas histórias registradas diariamente, por meio de palavras e imagens, de que adiantaria uma narrativa politizada? Mas acontece que raramente se pergunta quem são em grande parte os autores das narrativas das histórias contadas, escritas e filmadas. O fato de muitos escritores viverem nos limites formalistas da arte, acarreta geralmente na elaboração de enredos individualistas, soltos no relativismo das impressões pessoais(e inclusive pessimistas) da realidade. Alguns poderiam achar que estamos insistindo num problema bizantino: a oposição entre objetividade e subjetividade. De jeito nenhum!
De nossa parte existem 2 questões programáticas: 1- Organizar as narrativas dos oprimidos. Estas não podem ser meras impressões do real, mas ações políticas que contrastam rigorosamente com as narrativas que expressam a ideologia da classe dominante. 2- Defender a legitimidade da dialética entre a representação do mundo objetivo e a subjetividade de quem o narra; sendo que a objetividade absoluta é um mito. Se o subjetivismo leva muitas vezes à fuga, não se pode desconsiderar no campo da criação literária a interferência das emoções, da formação intelectual, da ideologia e do temperamento sexual de quem narra. A busca por obras literárias capazes de interferir na vida política passa obrigatoriamente pela pesquisa de recursos estéticos(invenção) e pelo desejo de reconstituir e ao mesmo tempo denunciar a opressão na sociedade capitalista. Voltaremos ao assunto em breve.
terça-feira, 17 de janeiro de 2017
Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 48
Edmund Wilson, talvez o mais célebre crítico literário da história dos EUA, apresentou dúvidas sobre as relações/as correspondências entre a infraestrutura e a superestrutura. Ainda que discordando inteiramente das conclusões de Wilson(para quem a dialética é um mito), não podemos deixar de observar que ele apresenta uma pergunta central: (...) " Até que ponto e sob quais condições as ideias dos seres humanos atuam sobre suas bases econômicas? "(...). Nem o mais abestalhado dos teóricos de cartilha poderia arriscar uma rala resposta esquemática. É fato que esta pergunta vem sendo, desde o final do ano passado, o cerne de nossas preocupações estéticas. Interessados em compreender e difundir as qualidades políticas revolucionárias das obras de arte, insistimos em algo que enche de dúvidas, risinhos e de terror muitos intelectuais contemporâneos: para nós a história possui um sentido. Ainda que a direção para uma sociedade sem classes não esteja isenta de obstáculos, curvas, contornos e aparentes becos sem saída, nada abala a convicção de que as ideias/imagens podem a partir do seu condicionamento social acelerar as locomotivas da história.
Todos aqueles que como nós consideram o sistema teórico de Marx e Engels como válido, não podem sofrer de preguiça mental: investigar as influências políticas e culturais sobre a base material, é uma tarefa complexa. As investigações marxistas, seja no campo econômico ou estético(ou em qualquer outro) prescinde do estudo da história: é somente através dela, através da reconstituição da totalidade histórica, que obtemos o material ideológico necessário das experiências passadas. Aquelas pessoas que procuram encontrar um veículo voltado para o imediatismo artístico, para a moda da vez , certamente devem passar longe do nosso blog. Para nós não existem fatos antigos ou novidades, mas sim informações acerca do problema artístico(da representação e da função social revolucionária da arte em contextos históricos particulares) e logo análises que são uteis para a emancipação dos trabalhadores. Para nós a criação é luta que porque viver é lutar: luta pela vida, luta contra as imagens e discursos que impedem as mudanças, luta contra aqueles que geram a miséria e luta pela memória de todos os oprimidos que lutaram. No centenário da Revolução russa pretendemos recuperar/debater as imagens anticapitalistas.
Todos aqueles que como nós consideram o sistema teórico de Marx e Engels como válido, não podem sofrer de preguiça mental: investigar as influências políticas e culturais sobre a base material, é uma tarefa complexa. As investigações marxistas, seja no campo econômico ou estético(ou em qualquer outro) prescinde do estudo da história: é somente através dela, através da reconstituição da totalidade histórica, que obtemos o material ideológico necessário das experiências passadas. Aquelas pessoas que procuram encontrar um veículo voltado para o imediatismo artístico, para a moda da vez , certamente devem passar longe do nosso blog. Para nós não existem fatos antigos ou novidades, mas sim informações acerca do problema artístico(da representação e da função social revolucionária da arte em contextos históricos particulares) e logo análises que são uteis para a emancipação dos trabalhadores. Para nós a criação é luta que porque viver é lutar: luta pela vida, luta contra as imagens e discursos que impedem as mudanças, luta contra aqueles que geram a miséria e luta pela memória de todos os oprimidos que lutaram. No centenário da Revolução russa pretendemos recuperar/debater as imagens anticapitalistas.
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